quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Simplesmente Contigo
























SE ISSO TE BASTASSE

Sou um cara simples,
Perdi a extravagância no caminho.
As batalhas entre os sonhos e a realidade,
Despojaram-me da grandeza juvenil.
Os rumores glamorosos das noites brilhantes,
Esvaíram-se na escuridão.
E hoje prefiro o silêncio
Que soa em meu coração.
Tua luz me inquieta,
Teu sorriso me encanta,
Tua alegria me assusta,
Tua presença me amedronta.
Pois, felicidades perdidas em antigas lembranças,
De canções na memória escondidas,
Enchem-me de corrosiva esperança,
Que muito em breve me abandonará,
Sem um beijo,                                         
Sem um carinho.
Deixando somente o desejo,
De que você poderia gostar,
De sinceramente trocar,
O brilho que eu não posso te dar,
Pela simplicidade de um passeio,
De mãos dadas à beira do mar.

CARLOS MEDEIROS

Aceita...
















MINHA NAMORADA
Se você quer ser minha namorada
Ah, que linda namorada
Você poderia ser
Se quiser ser somente minha
Exatamente essa coisinha
Essa coisa toda minha
Que ninguém mais pode ser
Você tem que me fazer um juramento
De só ter um pensamento
Ser só minha até morrer
E também de não perder esse jeitinho
De falar devagarinho
Essas histórias de você
E de repente me fazer muito carinho
E chorar bem de mansinho
Sem ninguém saber por quê
Porém, se mais do que minha namorada
Você quer ser minha amada
Minha amada, mas amada pra valer
Aquela amada pelo amor predestinada
Sem a qual a vida é nada
Sem a qual se quer morrer
Você tem que vir comigo em meu caminho
E talvez o meu caminho seja triste pra você
Os seus olhos têm que ser só dos meus olhos
Os seus braços o meu ninho
No silêncio de depois
E você tem que ser a estrela derradeira
Minha amiga e companheira
No infinito de nós dois
VINÍCIUS DE MORAES

sábado, 15 de junho de 2013

Fera Agredida


















BESTIALIDADE

As vezes o fel brota de suas angústias
E escorre para sua boca.
Explode com um grande uivo,
Derramando violentamente palavras e dor.
Um fel destilado por anos de safras ricas
Em quedas e mentiras.
Espalha o sufocante e fétido hálito do ódio,
Que contamina tudo que é belo
E destrói uma última esperança de felicidade.
Essa névoa escura se aproxima e envolve
Congelando as ações.
Paralisando o pensamento
E aprisionando a razão,
Em grades forjadas no inferno.
O instinto comanda
E ele quer matar, usurpar, destruir.
Transformar o homem em fera,
Que ferida, ataca
Sem remorso.
A fúria arrasa o corpo
Que não mais esconde
A alma doente e fraca.
A tormenta passa,
Levando parte de uma humanidade destruída,
Em um turbilhão de ilusões
Que estão perdidas,
Em algum lugar desta vida,
Desolada e esquecida.

CARLOS MEDEIROS

Feita de Pedra



































ESTÁTUA

Cansei-me de tentar o teu segredo:
No teu olhar sem cor, --- frio escalpelo,
O meu olhar quebrei, a debatê-lo,
Como a onda na crista dum rochedo.

Segredo dessa alma e meu degredo
E minha obsessão! Para bebê-lo
Fui teu lábio oscular, num pesadelo,
Por noites de pavor, cheio de medo.

E o meu ósculo ardente, alucinado,
Esfriou sobre o mármore correcto
Desse entreaberto lábio gelado...

Desse lábio de mármore, discreto,
Severo como um túmulo fechado,
Sereno como um pélago quieto.


CAMILO PESSANHA

segunda-feira, 10 de junho de 2013

Realismo Tupiniquim














TRAGÉDIA ANUNCIADA

Deus, por quanto tempo a ganância humana,
trará tanto sofrimento ao mundo? 
A busca pelo dinheiro,
que justifica todos os meios ilícitos.
Que causam a morte de nossos filhos,
destroem nossas famílias,
os animais, as florestas,
os mares e o nosso ar.
Orgulho que nos embriaga,
com o desejo da casa mais bonita, 
do carro mais veloz, 
dos gadgets mais modernos, 
dos filhos geneticamente perfeitos,
do companheiro mais submisso 
e da amante mais gostosa. 
E é claro com bem poucas (ou nenhuma),
horas trabalhadas. 
Esse é o modelo a seguir.
Quanto mais poder,
mais dinheiro,
menos respeito, 
menos consciência,
menos responsabilidade.
E na falta dela por que investir em fiscalização?
Pra que gastar com segurança estrutural?
Segurança?!?
Só se for para impedir as pessoas, 
de saírem sem pagar.
Não importando o real risco de vida.
Importante mesmo é dinheiro no bolso.
Seguir a lei pra quê?
Melhor é pagar propina pra funcionar sem alvará.
Puxar uma faca por um relógio.
Por um carro, sacar uma pistola e atirar.
E o que une essa sociedade, 
tornando-nos corresponsáveis por tanto sofrimentos? 
A cobiça pelo dinheiro fácil, 
que superlota a boate 
e mata mais de 240 jovens. 
Deus tenha piedade de todos nós.

CARLOS MEDEIROS

Todos os Dias



SUAVE MARI MAGNO

Lembro-me que, em certo dia,
Na rua, ao sol do verão,
Envenenado morria
Um pobre cão.

Arfava, espumava e ria,
De um riso espúrio e bufão,
Ventre e pernas sacudia
Na convulsão.

Nenhum, nenhum curioso
Passava, sem se deter,
Silencioso.

Junto ao cão que ia morrer
Como se lhe desse gozo
Ver padecer.


MACHADO DE ASSIS








terça-feira, 4 de junho de 2013

Pimentinha




















FORÇAS INVENCÍVEIS


Que outra explicação é possível,
Para aqueles que rompem
Com tradições seculares,
tomam caminhos desconhecidos
que os levarão a novos lares.
Onde construirão sonhos dourados,
repletos de alegrias e amizades.
Vencem o mundo,
a distância não importa,
pois possuem a convicção,
de que os problemas surgidos da incerteza,
não resistem a força do coração.
Menina de doce beleza,
como resistir a teu olhar?
Disfarçar este meu sorriso bobo
e negar a alegria de poder te amar.
Por você me lançarei ao mar,
navegarei o mundo todo,
para poder lhe acompanhar.
nunca te deixarei só,
nem te farei chorar.
Aperto forte tua mão,
selando eternamente esta união,
nascida pela força invencível de nossa paixão.

CARLOS MEDEIROS

segunda-feira, 3 de junho de 2013

No Passado














UMA VEZ MAIS


voa minha ave
voa sem parar 
viaja pra longe
te encontrarei em algum lugar
permaneço em ti
como sempre foi 
mais perfeito e mais fiel
mesmo sozinho eu sei 
que estas perto de mim
quando triste olho pro céu 

quando eu te vi
o sonho aconteceu
quando eu te vi
meu mundo amanheceu
mas você partiu sem mim
e sei que estas em algum jardim
entre as flores

anjo meu tão amado anjo
bem sei que estas
e eu dobrando sono
ei de acordar
para os teus olhos ver uma vez

mas....o verdadeiro amor espera
uma vez mais

quando eu te vi
o sonho aconteceu
quando eu te vi
meu mundo amanheceu
quando eu te vi
o sonho aconteceu
quando eu te vi
meu mundo amanheceu
mas você partiu sem mim
eu sei estas em algum jardim
entre as flores

IVO PESSOA

domingo, 19 de maio de 2013

Para Minha Mãe




















SORRISO DE MÃE

É o sorriso mais simples do mundo.
Simples como as criações de Deus,
Belo como a vastidão do universo.
Quente como os abraços seus.
Seu sorriso é o meu bom dia das manhãs.
O aconchego para meus sonhos de criança.
Que cresceram alimentados por esses doces afãs.
Conduz-me por veredas de esperança,
Transformando todo mundo em luz.
Minha estrela guia nos mistérios da noite.
Nunca teme as dores da cruz. 
Tranformas em escudo forte,
Sua delicadeza de guerreira invencível.
De ti nascem os anjos,
Que ecoam ozanas pelo céu,
Cantando teu sublime nome,
Em melodias doces como mel.
Esse mundo de tantas belezas,
Não encanta tanto os corações.
Pois os mais divinos sentimentos da natureza,
Nasceram do amor, no sorriso das mães.
Beijo minha mãezinha!

CARLOS MEDEIROS

Para Todas as Mães
























PARA SEMPRE

Por que Deus permite
que as mães vão-se embora?
Mãe não tem limite,
é tempo sem hora,
luz que não apaga
quando sopra o vento
e chuva desaba,
veludo escondido
na pele enrugada,
água pura, ar puro,
puro pensamento.

Morrer acontece
com o que é breve e passa
sem deixar vestígio.
Mãe, na sua graça,
é eternidade.
Por que Deus se lembra
- mistério profundo -
de tirá-la um dia?
Fosse eu Rei do Mundo,
baixava uma lei:
Mãe não morre nunca,
mãe ficará sempre
junto de seu filho
e ele, velho embora,
será pequenino
feito grão de milho.

CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE

sexta-feira, 3 de maio de 2013

Sangue Sertanejo



















LAMENTOS URBANOS

O barulho na janela pela manhã,
o perfume que levanta-se da terra.
Me faz lembrar do cuzcuz quente,
derretendo a manteiga fresca.
A tapioca recheada com queijo coalho.
O café fumegando do coador para a cafeteira.
O calor do fogão a lenha  aquecendo como o sol,
essa linda manhã de chuva.
É assim que eu me lembro das manhãs de inverno,
no sertão da casa de meus pais.
Hoje nesta grande cidade,
a chuva escorre pelo meu rosto
e a saudade transborda em meu coração.
Na minha janela não canta o sabiá,
só o ruído estressante da metrópole apressada,
que nos arranca o sonho de um passado distante.
Quero a asa-branca alçando vôos em minhas asas ligeiras.
Quero a flor altiva do mandacarú,
que fulora nas renovadas terras do meu Ceará.
Quero a alegria do forró e a melodia dos sorrisos,
que pintam as paisagens abençoadas por São José.
Quero o meu interior festivo resplandecendo em luz.
Quero voltar para o sorriso doce de minha mãe.
Quero o abraço forte no peito de meu pai.
Quero a brincadeira moleque e inocente junto a meus irmãos.
Quero o silêncio da noite, 
faiscando de estrelas a  minha imaginação.
Quero minha meninice alegre de volta.
Quero simplesmente minha felicidade,
que eu esquecí numa manhã de sol,

CARLOS MEDEIROS

Canta Patativa!

















CABRA DA PESTE

Eu sou de uma terra que o povo padece
Mas nunca esmorece, procura vencê,
Da terra adorada, que a bela cabôca
Com riso na bôca zomba no sofrê.

Não nego meu sangue, não nego meu nome,
Olho para fome e pergunto: o que há?
Eu sou brasilêro fio do Nordeste,
Sou Cabra da Peste, sou do Ceará.

Tem muita beleza minha boa terra,
Derne o vale à serra, da serra ao sertão.
Por ela eu me acabo, dou a prope vida,
É terra querida do meu coração.

Meu berço adorado tem bravo vaquêro
E tem jangadêro que domina o má.
Eu sou brasilêro fio do Nordeste,
Sou Cabra da Peste fio do Ceará.

Ceará valente que foi muito franco
Ao guerrêro branco Soares Moreno,
Terra estremecida, terra predileta
Do grande poeta Juvená Galeno.

Sou dos verde mare da cô da esperança,
Qui as água balança pra lá e pra cá.
Eu sou brasilêro fio do Nordeste,
Sou Cabra da Peste, sou do Ceará.

Ninguém me desmente, pois, é com certeza
Quem qué vê beleza vem ao Cariri,
Minha terra amada pissui mais ainda,
A muié mais linda que tem o Brasi.

Terra da jandaia, berço de Iracema,
Dona do poema de Zé de Alencá
Eu sou brasilêro fio do Nordeste,
Sou Cabra da Peste, sou do Ceará.

PATATIVA DO ASSARÉ

sábado, 27 de abril de 2013

Alma Livre

























EPITÁFIO

São tantos sentimentos nascidos desta tristeza.
Mas o silêncio é a única manifestação permitida.
Para que a morte e seu odor de cravos murchos,
Não se misture ao de cera derretida,
Da última vela que queimava em meu coração.
Brindemos ao grande homem que parte.
Que dobrem os sinos dos templos da cidade,
Anunciando que minha morte foi violenta.
E que morri como sempre quis.
Agora, livre estou da eterna tormenta,
Que nauseava minha alma à deriva.
À minha algoz, meus eternos agradecimentos,
Pelos belos trabalhos prestados.
Que as moedas e o coração que eu te dei.
Te fartem por muitos momentos.
Eu não preciso mais deles.
Só das feridas.

CARLOS MEDEIROS

Voa Eternamente


















ACROBATA DA DOR

Gargalha, ri, num riso de tormenta, 
como um palhaço, que desengonçado, 
nervoso, ri, num riso absurdo, inflado 
de uma ironia e de uma dor violenta. 

Da gargalhada atroz, sanguinolenta, 
agita os guizos, e convulsionado 
salta, gavroche, salta clown, varado 
pelo estertor dessa agonia lenta ... 

Pedem-se bis e um bis não se despreza! 
Vamos! retesa os músculos, retesa 
nessas macabras piruetas d'aço... 

E embora caias sobre o chão, fremente, 
afogado em teu sangue estuoso e quente, 
ri! Coração, tristíssimo palhaço.

CRUZ E SOUZA

quarta-feira, 24 de abril de 2013

Confrontos



















EM GUERRA.

Foram muitas batalhas até agora,
Você me cerca sangrando pelos olhos.
Minha morte te cairia muito bem.
Fujo desta emboscada traiçoeira,
Mas você dispara com arma certeira.
Desta vez violentamente atingido,
Eu caio diante da sua sanguinária ira.
Ferido pelo fogo de suas mentiras.
Ajoelhado nesta terra morta.
Minhas lágrimas escorrem pelo meu rosto.
Misturan-se ao sangue que brota do meu peito.
Quanta dor pelos horizontes cinzas,
Desta ignóbil tragédia.
Mas tú não conheces meus sonhos.
Não sabes por quem eu luto.
Não entendes de onde vem a minha força.
E que cada cicatriz em meu corpo,
É uma brilhante medalha,
Que me eleva acima do sofrimento.
E por isso sempre me levanto.
Soergo-me diante de ti,
Para te saudar com um leve sorriso.
Pois essa guerra senhor general,
Não aponta quem realmente é o vencido.

CARLOS MEDEIROS

Nunca Mais


O CORVO 

Em certo dia, à hora 
Da meia-noite que apavora, 
Eu, caindo de sono e exausto de fadiga, 
Ao pé de muita lauda antiga, 
De uma velha doutrina agora morta, 
Ia pensando, quando ouvi à porta 
Do meu quarto um soar devagarinho, 
E disse estas palavras tais: 
"É alguém que me bate à porta de mansinho; 
Há de ser isso e nada mais". 
Ah! bem me lembro! bem me lembro! 
Era no glacial dezembro; 
Cada brasa do lar sobre o colchão refletia 
A sua última agonia. 
Eu ansioso pelo Sol, buscava 
Sacar daqueles livros que estudava 
Repouso (em vão!) à dor esmagadora 
Destas saudades imortais 
Pela que ora nos céus anjos chamam Lenora, 
E que ninguém chamará mais. 

E o rumor triste, vago, brando 
Das cortinas ia acordando 
Dentro em meu coração um rumor não sabido, 
Nunca por ele padecido. 
Enfim, por aplacá-lo aqui, no peito, 
Levantei-me de pronto, e "Com efeito, 
(Disse), é visita amiga e retardada 
"Que bate a estas horas tais. 
"É visita que pede à minha porta entrada: 
"Há de ser isso e nada mais". 

Minh'alma então sentiu-se forte; 
Não mais vacilo, e desta sorte 
Falo: "Imploro de vós - ou senhor ou senhora, 
Me desculpeis tanta demora. 
"Mas como eu, precisando de descanso 
"Já cochilava, e tão de manso e manso, 
"Batestes, não fui logo, prestemente, 
"Certificar-me que aí estais". 
Disse; a porta escancar, acho a noite somente, 
somente a noite, e nada mais. 

Com longo olhar escruto a sombra 
Que me amedronta, que me assombra. 
E sonho o que nenhum mortal há já sonhado, 
Mas o silêncio amplo e calado, 
Calado fica; a quietação quieta; 
Só tu, palavra única e dileta, 
Lenora, tu, com um suspiro escasso, 
Da minha triste boca sais; 
E o eco, que te ouviu, murmurou-te no espaço; 
Foi isso apenas, nada mais. 

Entro co'a alma incendiada. 
Logo depois outra pancada 
Soa um pouco mais forte; eu, voltando-me a ela: 
"Seguramente, há na janela 
Älguma coisa que sussurra. Abramos, 
"Eia, fora o temor, eia, vejamos 
"A explicação do caso misterioso 
Dessas duas pancadas tais, 
"Devolvamos a paz ao coração medroso, 
"Obra do vento, e nada mais". 

Abro a janela, e de repente, 
Vejo tumultuosamente 
Um nobre corvo entrar, digno de antigos dias. 
Não despendeu em cortesias 
Um minuto, um instante. Tinha o aspecto 
de um lord ou de uma lady. E pronto e reto, 
Movendo no ar as suas negras alas, 
Acima voa dos portais, 
Trepa, no alto da porta em um busto de Palas: 
Trepado fica, e nada mais. 

Diante da ave feia e escura, 
Naquela rígida postura, 
Com o gosto severo, - o triste pensamento 
Sorriu-me ali por um momento, 
E eu disse: "Ó tu que das noturnas plagas 
"Vens, embora a cabeça nua tragas, 
"Sem topete, não és ave medrosa, 
"Dize os teus nomes senhoriais; 
"Como te chamas tu na grande noite umbrosa?" 
E o corvo disse: "Nunca mais". 

Vendo que o pássaro entendia 
A pergunta que eu lhe fazia, 
Fico atônito, embora a resposta que dera 
Dificilmente lha entendera. 
Na verdade, jamais homem há visto 
Coisa na terra semelhante a isto: 
Uma ave negra, friamente posta 
Num busto, acima dos portais, 
Ouvir uma pergunta a dizer em resposta 
Que este é seu nome: "Nunca mais". 

No entanto, o corvo solitário 
Não teve outro vocabulário. 
Como se essa palavra escassa que ali disse 
Toda sua alma resumisse, 
Nenhuma outra proferiu, nenhuma. 
Não chegou a mecher uma só pluma, 
Até que eu murmurei: "Perdi outrora 
"Tantos amigos tão leais! 
"Perderei também este em regressando a aurora". 
E o corvo disse: "Nunca mais!" 

Estremeço. A resposta ouvida 
É tão exata! é tão cabida! 
"Certamente, digo eu, essa é toda a ciência 
"Que ele trouxe da convivência 
"De algum mestre infeliz e acabrunhado 
"Que o implacável destino há castigado 
"Tão tenaz, tão sem pausa, nem fadiga, 
"Que dos seus cantos usuais 
"Só lhe ficou, na amarga e última cantiga, 
"Esse estribilho: "Nunca mais". 

Segunda vez nesse momento 
Sorriu-me o triste pensamento; 
Vou sentar-me defronte ao corvo magro e rudo; 
E, mergulhando no veludo 
Da poltrona que eu mesmo ali trouxera, 
Achar procuro a lúgubre quimera, 
A alma, o sentido, o pávido segredo 
Daquelas sílabas fatais, 
Entender o que quis dizer a ave do medo 
Grasnando a frase: "Nunca mais". 

Assim pôsto, devaneando, 
Meditando, conjeturando, 
Não lhe falava mais; mas, se lhe não falava, 
Sentia o olhar que me abrasava. 
Conjeturando fui, tranqüilo, a gosto, 
Com a cabeça no macio encosto 
Onde os raios da Lâmpada caíam, 
Onde as tranças angelicais 
De outra cabeça outrora ali se desparziam 
E agora não se esparzem mais. 

Supus então que o ar, mais denso, 
Todo se enchia de um incenso, 
Obra de serafins que, pelo chão roçando 
Do quarto, estavam meneando 
Um ligeiro turíbulo invisível: 
E eu exclamei então: "Um Deus sensível 
"Manda repouso à dor que te devora 
"Destas saudades imortais. 
"Eia, esquece, eia, olvida essa extinta Lenora". 
E o corvo disse: "Nunca mais". 

"Profeta, ou o que quer que sejas! 
"Ave ou demônio que negrejas! 
"Profeta sempre, escuta: Ou venhas tu do inferno 
"Onde reside o mal eterno, 
"Ou simplesmente náufrago escapado 
"Venhas do temporal que te há lançado 
"Nesta casa onde o Horror, o Horror profundo 
"Tem os seus lares triunfais, 
"Dize-me: existe acaso um bálsamo no mundo?" 
E o corvo disse: "Nunca mais". 

"Profeta, ou o que quer que sejas! 
"Ave ou demônio que negrejas! 
"Profeta sempre, escuta, atende, escuta, atende! 
"Por esse céu que além se estende, 
"Pelo Deus que ambos adoramos, fala, 
"Dize a esta alma se é dado inda escutá-la 
"No Éden celeste a virgem que ela chora 
"Nestes retiros sepulcrais, 
"Essa que ora nos céus anjos chamam Lenora!" 
E o corvo disse: "Nunca mais!" 

"Ave ou demônio que negrejas! 
"Profeta, ou o que quer que sejas! 
"Cessa, ai, cessa! (clamei, levantando-me) cessa! 
"Regressando ao temporal, regressa 
"À tua noite, deixa-me comigo... 
"Vai-te, não fique no meu casto abrigo 
"Pluma que lembre essa mentira tua. 
"Tira-me ao peito essas fatais 
"Garras que abrindo vão a minha dor já crua" 
E o corvo disse: "Nunca mais". 

E o corvo aí fica; ei-lo trepado 
No branco mármore lavrado 
Da antiga Palas; ei-lo imutável, ferrenho. 
Parece, ao ver-lhe o duro cenho, 
Um demônio sonhando. A luz caída 
Do lampião sobre a ave aborrecida 
No chão espraia a triste sombra; e fora 
Daquelas linhas funerais 
Que flutuam no chão, a minha alma que chora 
Não sai mais, nunca, nunca mais!

EDGAR ALLAN POE

domingo, 21 de abril de 2013

Outra Ilusão












ALÉM DO PARAÍSO

Eu te coloquei acima de todos,
Bem lá no alto,
Onde vivem os anjos.
Te fiz asas com alvas plumas,
E sonhei voar contigo eternamente.
Viajando entre suaves brumas,
Embalados por esse eterno amor.
Sentia que ao teu lado,
Estaria a salvo daquela escuridão.
Sentimento feito de cera,
Desfez-se rapidamente em dor.
Não suportou o brilho forte dessa ilusão,
Que cresceu em sonhos inalcançáveis,
Criados por esse mortal coração.
Aprendí que os anjos habitam além do céu.
E que se eu quiser voar,
Só me é permitido entre os abutres.
Pois são eles que se alimentam dos mortos.
E nada mais restará de mim.

CARLOS MEDEIROS

Doce Flor



















O POETA PEDE A SEU AMOR QUE LHE ESCREVA

Amor de minhas entranhas, morte viva,
em vão espero tua palavra escrita
e penso, com a flor que se murcha,
que se vivo sem mim quero perder-te.

O ar é imortal. A pedra inerte
nem conhece a sombra nem a evita.
Coração interior não necessita
o mel gelado que a lua verte.

Porém eu te sofri. Rasguei-me as veias,
tigre e pomba, sobre tua cintura
em duelo de mordiscos e açucenas.

Enche, pois, de palavras minha loucura
ou deixa-me viver em minha serena
noite da alma para sempre escura.

FREDERICO GARCIA LORCA

terça-feira, 9 de abril de 2013

Minha Deusa

























NO OLIMPO

Você sorriu e me encantou.
Por um breve momento feliz,
Minha alma voou.
E fui bem alto.
Levado por asas que rapidamente construí,
Com os desejos encontrados pelo caminho.
Mas teu lugar é muito distante.
Meus olhos não te alcançam,
Meu coração não te toca,
Meu corpo não te sente.
Vives no Olimpo,
Morada dos deuses.
Onde os corpos são esculpidos em carrara
E fisicamente, só os eleitos os possuem.
Estás acostumada a perfeição que te cerca.
Teus olhos nunca notariam,
A mediocridade de tão impura pessoa.
Eu estou acostumado a arrastar-me pela terra,
Carregando as mazelas de um ser imperfeito.
Sou mortal.
E mereço morrer muitas vezes,
Pela arrogância de querer te alcançar,
De pensar em viver ao teu lado,
De um dia poder te amar.
Desse vôo me prescipito.
Abatido pela ilusão,
Que me atingiu com a força de um raio,
E mortalmente me lança ao chão.
Tu és imortal.
Deusa de rara beleza,
Frescor da brisa matinal,
Que espalha o perfume de delicada flor.
A noite me traz uma única certeza.
Que diante deste inalcançável amor,
Só me resta dormir e sonhar,
Que um dia saberei bem alto voar.

CARLOS MEDEIROS

Adormecido




















NA VÉSPERA

Na véspera de não partir nunca
Ao menos não há que arrumar malas
Nem que fazer planos em papel,
Com acompanhamento involuntário de esquecimentos,
Para o partir ainda livre do dia seguinte.
Não há que fazer nada
Na véspera de não partir nunca.
Grande sossego de já não haver sequer de que ter sossego!
Grande tranquilidade a que nem sabe escolher ombros
Por tudo isto, ter pensado o tudo
É o ter chegado deliberado a nada.
Grande alegria de não ter precisão de ser alegre.
Como uma oportunidade virada do avesso.
Há quantas vezes vivo
A vida vegetativa do pensamento!
Todos os dias sine linea
Sossego, sim, sossego...
Grande tranquilidade...
Que repouso, depois de tantas viagens, físicas e psíquicas!
Que prazer olhar para as malas fitando como para nada!
Dormita, alma, dormita!
Aproveita, dormita!
Dormita!
É pouco o tempo que tens! Dormita!
É a véspera de não partir nunca!

ÁLVARO DE CAMPOS
(heterônimo de Fernando Pessoa)

Feliz Aniversário

























DIAS ESPECIAIS

Alguns dias são especiais,
Alguns momentos são especiais.
Mas o que os tornam especiais?
Talvez um sorriso,
Quem sabe uma palavra,
com certeza um beijo.
Essas lembranças nos levam a presença de uma pessoa,
Que torna esses dias, momentos, sorrisos, palavras, o beijo,
Ah, o beijo...
A coisa mais especial de todas.
Que bom que você nasceu!
quero comemorar esse dia.
Pois, depois que me conheceu,
Tornou especial toda a minha vida.

CARLOS MEDEIROS

Perdido




















PARA ONDE VAI A MINHA VIDA, E QUEM A LEVA?

Por que faço eu sempre o que não queria?
Que destino contínuo se passa em mim na treva?
Que parte de mim, que eu desconheço, é que me guia?

O meu destino tem um sentido e tem um jeito,
A minha vida segue uma rota e uma escala
Mas o consciente de mim é o esboço imperfeito
Daquilo que faço e sou: não me iguala

Não me compreendo nem no que, compreendendo, faço.
Não atinjo o fim ao que faço pensando num fim.
É diferente do que é o prazer ou a dor que abraço.
Passo, mas comigo não passa um eu que há em mim.

Quem sou, senhor, na tua treva e no teu fumo?
Além da minha alma, que outra alma há na minha?
Por que me destes o sentimento de um rumo,
Se o rumo que busco não busco, se em mim nada caminha

Senão com um uso não meu dos meus passos, senão
Com um destino escondido de mim nos meus atos?
Para que sou consciente se a consciência é uma ilusão?
Que sou entre quê e os fatos?

Fechai-me os olhos, toldai-me a vista da alma!
Ó ilusões! Se eu nada sei de mim e da vida,
Ao menos eu goze esse nada, sem fé, mas com calma,
Ao menos durma viver, como uma praia esquecida...

FERNANDO PESSOA