segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Sozinho
















SOLIDÃO


Hoje me sinto só.
Meu coração bate assustado,
Tão triste que faz dó.
Caminho desamparado.
Procuro alguém...
Um amigo, uma amiga,
Que me faça o bem,
De preencher o espaço vazio.
E que mande esta saudade para o além.
Mas o espaço infinito me traz frio.
E meu corpo treme por não ter você.
Onde foram parar todos os companheiros,
Das bebedeiras que seguiam noite adentro?
As amigas dos carinhos e os amigos seresteiros?
Onde estão os bares, os bilhares?
Os lares onde eu ia amar?
Perdi tudo e todos...
Sozinho agora devo caminhar.
Pois troquei minha vida,
Pelo desejo de te amar.
Essa foi minha grande ilusão.
E como castigo, o que posso esperar?
Além dessa solidão,
Que a minh´alma traz tanto pesar.

CARLOS MEDEIROS

Desamor



















NÃO SE MATE



Carlos sossegue, o amor
é isso que você está vendo:
hoje beija, amanhã não beija,
depois de amanhã é domingo
e segunda-feira ninguém sabe
o que será.
Inútil você resistir
ou mesmo suicidar-se.
Não se mate, oh não se mate,
Reserve-se todo para
as bodas que ninguém sabe
quando virão,
se é que virão.
O amor, Carlos, você telúrico,
a noite passou em você,
e os recalques se sublimando,
lá dentro um barulho inefável,
rezas,
vitrolas,
santos que se persignam,
anúncios do melhor sabão,
barulho que ninguém sabe
de quê, praquê.
Entretanto você caminha
melancólico e vertical.
Você é a palmeira, você é o grito
que ninguém ouviu no teatro
e as luzes todas se apagam.
O amor no escuro, não, no claro,
é sempre triste, meu filho, Carlos,
mas não diga nada a ninguém,
ninguém sabe nem saberá.

CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE

sábado, 16 de outubro de 2010

Sentimento e Dor



















SILÊNCIO


Faltam-me palavras,
Para expressar o que eu sinto.
E são poucas as horas para esquecer.
E é por isso que eu minto,
Uma alegria inexistente,
Um sorriso ausente,
Uma saudade que não se sente,
Um amor indigente.
O silêncio é dialogo freqüente,
De uma vida que já morreu.
E a esperança me torna um zumbi,
Que caminha perdido,
Buscando aqui e ali,
Pela felicidade que você me prometeu.
Onde está você,
Que não traz o que é meu?
Minha alma, minha mente, minha voz...
Livra-me deste destino atroz,
Que leva meu corpo a sofrer,
Com a ingratidão do meu algoz.
Por favor cala esse sentimento,
Silenciando para sempre dentro de mim,
As lembranças de nossos momentos.

CARLOS MEDEIROS

Fluindo



















PROTOPOEMA


Do novelo emaranhado da memória, da escuridão dos
nós cegos, puxo um fio que me aparece solto.
Devagar o liberto, de medo que se desfaça entre os dedos.
É um fio longo, verde e azul, com cheiro de limos,
e tem a macieza quente do lodo vivo.
É um rio.
Corre-me nas mãos, agora molhadas.
Toda a água me passa entre as palmas abertas, e de
repente não sei se as águas nascem de mim, ou para
mim fluem.
Continuo a puxar, não já memória apenas, mas o
próprio corpo do rio.
Sobre a minha pele navegam barcos, e sou também os
barcos e o céu que os cobre e os altos choupos que
vagarosamente deslizam sobre a película luminosa dos olhos.
Nadam-me peixes no sangue e oscilam entre duas
águas como os apelos imprecisos da memória.
Sinto a força dos braços e a vara que os prolonga.
Ao fundo do rio e de mim, desce como um lento e
firme pulsar do coração.
Agora o céu está mais perto e mudou de cor.
É todo ele verde e sonoro porque de ramo em ramo
acorda o canto das aves.
E quando num largo espaço o barco se detém, o meu
corpo despido brilha debaixo do sol, entre o
esplendor maior que acende a superfície das águas.
Aí se fundem numa só verdade as lembranças confusas
da memória e o vulto subitamente anunciado do futuro.
Uma ave sem nome desce donde não sei e vai pousar
calada sobre a proa rigorosa do barco.
Imóvel, espero que toda a água se banhe de azul e que
as aves digam nos ramos por que são altos os
choupos e rumorosas as suas folhas.
Então, corpo de barco e de rio na dimensão do homem,
sigo adiante para o fulvo remanso que as espadas
verticais circundam.
Aí, três palmos enterrarei a minha vara até à pedra viva.
Haverá o grande silêncio primordial quando as mãos se
juntarem às mãos.
Depois saberei tudo.

JOSÉ SARAMAGO

domingo, 10 de outubro de 2010

Em Busca
























OLHARES



Na multidão que todo dia passa,

Encontro sorrisos, olhares.
Mas neles não há nada que faça,
Me esquecer de você.
O que adianta convites,
Se para mim essas pessoas,
São apenas ouvintes,
De tudo o que sinto por você.
De que adianta ir a festas ou badalações,
Se na verdade o que eu quero,
É unir nossos corações.
Se olho para a multidão,
É porque busco teu rosto,
Pois é com seu sorriso,
Que sossego meu coração.

CARLOS MEDEIROS

Imagem Distorcida
























DOLORES

Hoje me deu tristeza,
sofri três tipos de medo
acrescido do fato irreversível:
não sou mais jovem.
Discuti política, feminismo,
a pertinência da reforma penal,
mas ao fim dos assuntos
tirava do bolso meu caquinho de espelho
e enchia os olhos de lágrimas:
não sou mais jovem.
As ciências não me deram socorro,
não tenho por definitivo consolo
o respeito dos moços.
Fui no Livro Sagrado
buscar perdão pra minha carne soberba
e lá estava escrito:
"Foi pela fé que também Sara, apesar da idade avançada,
se tornou capaz de ter uma descendência..."
Se alguém me fixasse, insisti ainda,
num quadro, numa poesia...
e fossem objetos de beleza os meus músculos frouxos...
Mas não quero. Exijo a sorte comum das mulheres nos tanques,
das que jamais verão seu nome impresso e no entanto
sustentaram os pilares do mundo, porque mesmo viúvas dignas
não recusam casamento, antes acham sexo agradável,
condição para a normal alegria de amarrar uma tira no cabelo
e varrer a casa de manhã.

Uma tal esperança imploro a Deus.

ADÉLIA PRADO