domingo, 25 de abril de 2010

Velhas Práticas

















POLÍTICA BRASILEIRA (final)

Hoje nós levamos a vida como ela é.
Os sonhos se tornaram realidade,
E ela se mostrou muito cruel.
Não obstante a nossa esperança,
Seu gosto se tornou puro fel.
Sabe aqueles que vieram,
Carregados pela nuvem da esperança?
Hoje são os políticos que governam o nosso país.
Que deveriam lutar pelo socialismo.
Pois foi isso que eu sempre quis.
Sabe os cara pintadas,
Que lutaram contra a corrupção?
Hoje são lideres estudantis.
E muitos políticos também.
Futuros líderes de nossa nação.
Agora vivem envolvidos,
Naquela antiga corrupção.
Falsificam carteira de estudantes,
Vendem diplomas, fabricam dossiês,
Negociam votações, recebem o menssalão.
Que decepção, são todos uns cara lisas.
A única coisa que nos ensinaram,
Foi que em política brasileira,
Tudo acaba em indigestas pizzas.

CARLOS MEDEIROS
E continua... (para nossa vergonha)

Corrompidos




POEMAS AOS HOMENS DE NOSSO TEMPO

Amada vida, minha morte demora.
Dizer que coisa ao homem,
Propor que viagem? Reis, ministros
E todos vós, políticos,
Que palavra além de ouro e treva
Fica em vossos ouvidos?
Além de vossa RAPACIDADE
O que sabeis
Da alma dos homens?
Ouro, conquista, lucro, logro
E os nossos ossos
E o sangue das gentes
E a vida dos homens
Entre os vossos dentes.
Ao teu encontro, Homem do meu tempo,
E à espera de que tu prevaleças
À rosácea de fogo, ao ódio, às guerras,
Te cantarei infinitamente à espera de que um dia te conheças
E convides o poeta e a todos esses amantes da palavra, e os outros,
Alquimistas, a se sentarem contigo à tua mesa.
As coisas serão simples e redondas, justas. Te cantarei
Minha própria rudeza e o difícil de antes,
Aparências, o amor dilacerado dos homens
Meu próprio amor que é o teu
O mistério dos rios, da terra, da semente.
Te cantarei Aquele que me fez poeta e que me prometeu
Compaixão e ternura e paz na Terra
Se ainda encontrasse em ti, o que te deu.

HILDA HIST

sábado, 17 de abril de 2010

Juventude e Alegria

POLÍTICA BRASILEIRA (parte 2)



E os ventos das mudanças sopravam forte.
Se espalhavam por todos os lugares,
As cicatrizes fechavam histórias de morte.
E as idéias mudavam antigos pesares.
E a esperança surgia de forma imponente.
Na figura do operário que discursava contente.
Sobre um grupo que iria brilhar como as estrelas.
Mas o passado se mantinha forte.
E nos expôs a pesada corrente,
Que nos unia a uma mania subserviente.
E subia então ao comando,
Quem eu não queria acreditar.
O playboizinho, que a sociedade classe A.
Criou pra o povo enganar.
E com ele veio a grande decepção.
Pois se viu em grande dimensão,
O significado dado para “roubar a nação”.
Mas com muita alegria,
O povo para rua corria,
A multidão em uma só voz dizia.
Fora Collor!
Os cara pintadas coloriam o dia.
De um pais que não admitia mais.
Tanta roubalheira que a poucos compraz.

CARLOS MEDEIROS
Continua...

Retrato Brasileiro
















EPÍLOGOS


Que falta nesta cidade?......................Verdade
Que mais por sua desonra .................Honra
Falta mais que se lhe ponha ..............Vergonha.

O demo a viver se exponha,
por mais que a fama a exalta,
numa cidade, onde falta
Verdade, Honra, Vergonha.

Quem a pôs neste socrócio?..............Negócio
Quem causa tal perdição? .................Ambição
E o maior desta loucura?....................Usura.

Notável desaventura
de um povo néscio, e sandeu,
que não sabe, que o perdeu
Negócio, Ambição, Usura.

Quais são os seus doces objetos?....Pretos
Tem outros bens mais maciços?.......Mestiços
Quais destes lhe são mais gratos?....Mulatos.

Dou ao demo os insensatos,
dou ao demo a gente asnal,
que estima por cabedal
Pretos, Mestiços, Mulatos.

Quem faz os círios mesquinhos?...... Meirinhos
Quem faz as farinhas tardas? ............Guardas
Quem as tem nos aposentos? ...........Sargentos.

Os círios lá vêm aos centos,
e a terra fica esfaimando,
porque os vão atravessando
Meirinhos, Guardas, Sargentos.

E que justiça a resguarda? ................Bastarda
É grátis distribuída? ...........................Vendida
Que tem, que a todos assusta?..........Injusta.

Valha-nos Deus, o que custa,
o que El-Rei nos dá de graça,
que anda a justiça na praça
Bastarda, Vendida, Injusta.

Que vai pela clerezia? ........................Simonia
E pelos membros da Igreja? ...............Inveja
Cuidei, que mais se lhe punha?..........Unha.

Sazonada caramunha!
enfim que na Santa Sé
o que se pratica, é
Simonia, Inveja, Unha.

E nos Frades há manqueiras?............Freiras
Em que ocupam os serões? ...............Sermões
Não se ocupam em disputas?.............Putas.

Com palavras dissolutas
me concluis na verdade,
que as lidas todas de um Frade
são Freiras, Sermões, e Putas.

O açúcar já se acabou?.......................Baixou
E o dinheiro se extinguiu?....................Subiu
Logo já convalesceu? ..........................Morreu.

À Bahia aconteceu
o que a um doente acontece,
cai na cama, o mal lhe cresce,
Baixou, Subiu, e Morreu.

A Câmara não acode?..........................Não pode
Pois não tem todo o poder?.................Não quer
É que o governo a convence? .............Não vence.

Quem haverá que tal pense,
que uma Câmara tão nobre
por ver-se mísera, e pobre
Não pode, não quer, não vence.

GREGÓRIO DE MATOS

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Tempos de Mudanças

POLÍTICA BRASILEIRA (parte 1)


E eles marchavam de braços dados,
Em fileiras tortas mas firmes.
Palavras de ordem e gritos apaixonados.
Enfrentavam armas e todos os vermes.
Abaixo a ditadura!
Ouvia-se o brado forte.
Sem medo de perder a ternura,
Lutaram e enfrentaram a morte.
Que para muitos veio de forma brutal,
Choques, pau de arara e espancamento.
Torturados, ficaram cara a cara com o mal,
Que sorria diante de tantos tormentos.
Desterrados se encontravam.
Presos aos sonhos e antigos momentos.
Mas uma brisa nova soprou no Brasil,
Trazendo em suas asas,
Brizola, Betinho, Caetano, e o Gil.
E essa novidade se fez música,
Cantamos pelas diretas já.
Embalamos o desejo de ter uma opção.
Mas não foi dessa vez que pela eleição,
Escolheríamos o chefe de nossa nação.
Mas o caminho se tornou uma estrada reta.
E a nossa luta uma vitória certa.

CARLOS MEDEIROS
Continua...

Olhar Exilado














CANTO DE COMPANHEIRO
EM TEMPO DE CUIDADO



Contigo, companheiro que chegaste,
desconhecido irmão de minha vida,
reparto esta esmeralda que retive
em meu peito no instante fugitivo
mas infinito em que se acaba a infância,
porque a esmeralda não se acaba nunca.

Reparto, companheiro, porque chegas
a este caminho longo e luminoso
mas que também se faz áspero e duro,
onde as nossas origens se abraçaram
dissolvendo-se em paz as diferenças,
engendradas na vida pela força
feroz com que desune o mundo os homens
que feitos foram para cantar juntos
porque só juntos saberão chegar
para a festa de amor que se prepara.
Porque tudo é chegar, meu companheiro
desconhecido, meu irmão que plantas
o grão no escuro e nasce a claridão.

É chegar e seguir, os dois cantando,
os dois e a multidão num só caminho,
em direção ao sol que nos ensina
a ser mais cristalinos, parecidos
ao menino que fomos e que somos
de novo dentro do homem, desde que o homem
seja capaz de repartir seu canto
e um pedaço de sol bem luminoso
a esse desconhecido ser que chega
sem nada: traz apenas a esperança
de ver o amor de perto. E sem ter canto
no peito machucado, de repente
de coração contigo vai cantando,
e vai na vida, a vida desgraçada,
achando uma fé nova enquanto um gosto
de também repartir-lhe sobe na alma:
está no seu caminho e então reencontra
o menino que foi, quando a esmeralda
perdida no seu peito resplandece
de amor geral que se reparte e cresce.

Não sei se canto claro, companheiro.
Em tua vida vive o o povo inteiro:
antes jamais te vi, mas te sabia
perto de mim, quando aprendi na dor
da queimadura do noturno mundo,
que se alçava voraz contra a alegria
e entranhas devorava e em fome e febre
enrolava a vergonha das mulheres
e pela mão levava sob a lua,
de enferma claridade, as ambulantes
manchas de riso em cujo fundo a infância
era uma rosa sórdida já murcha.

O tempo é de cuidados, companheiro.
É tempo sobretudo de vigília.
O inimigo está solto e se disfarça,
mas como usa botinas fica fácil
distinguir-lhe o tacão grosso e lustroso
que pisa as forças claras da verdade
e esmaga os verdes que dão vida ao chão.
O tempo é de mentira. Não convém
deixar livre o menino da esmeralda.
Melhor é protegê-lo da violência
que amarra a liberdade em pleno vôo.
A sombra já desceu, e muitas faces
famintas se escancaram farejando.
Cuidado, companheiro, esconde a rosa,
espanta a mariposa colorida,
é perigosa esta canção de amor.

Cada um no seu lugar, na sua vez,
não descuidar na espreita do inimigo,
que não dorme jamais e é cheio de olhos.
E derramar a luz, no instante certo,
sobre a garra soturna do seu rosto.
É uma espera que dói, mas o que vale
é ter o coração por cidadela,
acender uma tocha em cada metro
de terra conquistado e trabalhar
melhor, para que o chão floresça mais
e o trigo erga bem alto o seu pendão
para a festa de amor, larga e geral,
onde a fome afinal não vai dançar,
porque não comerão somente eleitos,
porque são todos os que comerão.
É por isso que estamos todos juntos:
a nossa força tem o sortilégio
da seiva torrencial da primavera,
e o nosso amor palpita como os ímpetos
das águas amazônicas profundas.

É cantar, companheiro, e repartir
o que é preciso ser do amor geral.
Ninguém será sozinho nunca mais,
nem na solidão, nem no poder.

Sempre contigo irei, e é quando canto
que te defendo, e deito em tua lâmpada
um azeite que dura a treva inteira
nesses tempos de cinza em que a vigília,
espada em flama erguida como a rosa,
só poderá cessar quando outra vez,
envergonhada, regressar a aurora,
que vai lavar de luz o chão amado,
e seremos de novo e simplesmente
meninos repartindo as esmeraldas.

THIAGO DE MELLO

domingo, 4 de abril de 2010

Uma Verdade Inconveniente















FORTALEZA, VIRGEM VIOLENTADA


O sol se põe na ponte.
Matizes de cores e sonhos,
Encerram um tempo distante.
De simplicidade alegre,
E inocência cativante.
Na soleira da porta,
Contamos as estrelas.
E com palavras maliciosas,
Falamos da vida alheia.
E tudo corre diante de nós,
A noite avança.
E nos recolhemos tranqüilos.
Mas o futuro amanhece,
Iluminando esse pesadelo atroz.
Despertamos os problemas que só crescem,
E a cidade incha de forma veloz.
Seus filhos ganham as ruas.
Nelas brincam, correm, roubam e matam.
Suas filhas são poliglotas e nuas.
Alemão, inglês, espanhol e italiano.
Recebem em dólar e pagam em lágrimas.
A Fortaleza caiu,
Diante de bárbaros de todas as partes.
Mas o sol teima em brilhar entre arranha-céus.
E nossa imundice deságua,
No que já foram verdes mares.
Pobre Iracema...
Virgem dos lábios de mel.
te encontras abandonada e violentada.
E agora teu gosto é amargo como o fel.
Não obstante a tudo,
Continuas bela.
Com essa maquiagem falsa e carregada.
Mas dentro de ti o pranto cai.
Pois a lembrança é por demais pesada.
E tua inocência não existe mais.

CARLOS MEDEIROS

Uma Realidade Inconveniente















QUEM MATOU APARECIDA?

(História de uma favelada
que ateou fogo às vestes)

Aparecida, esta moça
cuja história vou contar,
não teve glória nem fama
de que se possa falar.
Não teve nome distinto:
criança brincou na lama,
fez-se moça sem ter cama,
nasceu na Praia do Pinto,
morreu no mesmo lugar.

Praia do Pinto é favela
que fica atrás do Leblon.
O povo que mora nela
é tão pobre quanto bom:
cozinha sem ter panela,
namora sem ter janela,
tem por escola a miséria
e a paciência por dom.

No dia que a paciência
do favelado acabar,
que ele ganhar consciência
para se unir e lutar,
seu filho terá comida
e escola para estudar.
Terá água, terá roupa,
terá casa pra morar.
No dia que o favelado
resolver se libertar.

Mas a nossa Aparecida
chegou cedo por demais,
por isso perdeu a vida
que ninguém lhe dará mais.
É sua história esquecida
de poucos meses atrás,
e essa vida perdida
de uma moça sem cartaz
que está aqui pra ser lida
porque nela está contida
a lição que aprenderás.

Já bem cedo Aparecida
trabalhava pra comer:
vendia os bolos que a mãe
fazia pra ela vender;
carregava baldes d'água
para banhar e beber.
Comida pouca e água suja
que até dá raiva dizer.

Da porta de seu barraco,
de zinco e madeira velha,
olhava o mundo dos ricos
com suas casas de telha.
Os blocos de apartamento
quase tocando no céu
dos quais nem em pensamento
um deles seria seu.

Daquele chão de monturo,
via o mundo dividido:
Do lado de cá, escuro,
e do lado de lá, colorido.
À sua volta a pobreza,
a fome, a doença, a morte;
e ali adiante a riqueza
dos que tinham melhor sorte.
Nossa Aparecida achava
que tinha era dado azar
porque ela ignorava
que o mundo pode mudar.

Já conhecia a cidade
da gente limpa e bonita,
meninas de sua idade
de seda e laço de fita.
Gente que anda de carro,
vive em boate e cinema,
que nunca pisou no barro,
que não conhece problema,
que pensa que o Rio é mesmo
Copacabana e Ipanema.

Que pensa ou finge pensar.
Porque se chega à janela,
se dá um giro, vê logo
o casario da favela,
a marca mais evidente
desta sociedade ingrata,
que a terça parte do Rio
mora em barracos de lata.

E assim foi que Aparecida
se tornou uma mocinha.
Falou pra mãe que queria
ganhar uma criancinha.
Já que boneca era caro
e dinheiro ela não tinha,
ter um filho era mais fácil
dela conseguir sozinha.

"Sozinha ninguém consegue!",
disse-lhe a mãe já com medo.
"Tira isso da cabeça,
ter filho não é brinquedo.
Favelada que tem filho
acaba a vida mais cedo".

Não podia Aparecida
entender essa verdade.
Queria ter um bebê
para cuidar com bondade,
para vestir bonitinho
como os que viu na cidade.

Tanto falou no desejo
de ter uma criancinha
que um dia uma lavadeira
que era sua vizinha
prometeu falar na casa
de um tal de dr. Vinhas,
casado com dona Rosa,
que ganhara uma filhinha.

Foi assim que Aparecida
mudou-se para Ipanema.
O ordenado era pouco
mas resolvia o problema.
Deixou a Praia do Pinto
e venceu o seu dilema:
ganhou um bebê bonito
cheirando a talco e alfazema.
Quando saiu com o embrulho
(dois vestidos e um espelho
redondo, de propaganda)
a mãe lhe deu um conselho:
"Veja lá por onde anda.
Cuidado com homem velho
e português de quitanda.
Pra rico é fácil ter filho;
pra pobre, a vida desanda".

Mas Aparecida estava
entregue a sua alegria.
Só pensava na menina
de que ela cuidaria,
a boneca de verdade
que ela enfim ganharia.
E assim passou cantando
aquele primeiro dia.

Foi muito bem recebida
pela patroa e o patrão.
Ganhou um quarto pequeno
e uma cama de colchão.
Quarto escuro, colchão duro,
mas como querer melhor
quem sempre dormiu no chão?

A vida de Aparecida
corria tranquila e bela.
Ainda por cima seu Vinhas
simpatizava com ela,
indagava de sua vida
e das coisas da favela.

Um dia pegou-lhe o braço
e puxou-a para si.
Lhe disse: "Me dá um abraço,
que eu gosto muito de ti".
Largou-a ao ouvir os passos
de alguém que vinha pra ali.

Mas de noite ele voltou.
Deitou-se ao lado dela
e ela não se incomodou.
Passou a mão nos seus peitos,
e Aparecida gostou.
Deitou-se por cima dela
e suas calças tirou.
Aparecida nem lembra
o que depois se passou.
E tanto se repetiu
que ela até se habituou.

Mas lá um dia a patroa
abriu a porta e os pegou.
Já era de manhã cedo,
Vinhas quase desmaiou.
A mulher fez que não viu,
tranquilamente falou:
"Compre-me um litro de leite,
pois o leiteiro atrasou".

Aparecida saiu
sem saber o que fazer.
Quando voltou, no seu quarto
tinha coisa pra se ver:
a patroa já chamara
um guarda para a prender.
"Ela roubou estas jóias,
que nem bem soube esconder" -
disse mentindo a patroa.
Aparecida foi presa
sem nada poder dizer.

Para o SAM foi conduzida
depois de muito apanhar.
Um dia ali esquecida
começou a reparar
que em sua entranha uma vida
começara a despertar.
Quando o guarda da prisão
descobriu-lhe a gravidez,
foi dizer à Direção,
que a retirou do xadrez
para evitar complicação.
"Vá se embora, sua puta,
chega de aporrinhação".

Aparecida voltou
pro barraco da favela.
A mãe estava doente
sem saber notícia dela.
Cuidou da mãe como pôde
e conseguiu se empregar.
Trabalhou até que um dia
numa fila de feijão
perdeu as forças, caiu,
e teve o filho no chão.
Da casa onde trabalhava
logo foi mandada embora.
"Empregada que tem filho
não serve, que filho chora".

Em outras casas bateu
mas de nada adiantou.
Depois de muito vagar,
pra casa da mãe voltou.
Mas o problema da fome
assim não solucionou.
Não teve outra saída:
na prostituição entrou.

Ficava noites inteiras
rodando pelo Leblon
para apanhar rapazinhos
que sempre pagavam algum
e que não tinham o bastante
pra frequentar o bas-fond.

Até que um dia encontrou
um rapaz que gostou dela
que se chamava Simão
e morava na favela.
Decidiram viver juntos
e a vida ficou mais bela.

Bela como pode ser
a vida de um favelado
morando em cima da lama
num barraco esburacado
trabalhando noite e dia
por um mísero ordenado.

Mas Simão e Aparecida
um ao outro se ampararam.
Com as durezas da favela
de há muito se habituaram:
uniram suas duas vidas
e depressa se gostaram.

Ela lavava pra fora
e cuidava do filhinho
que, de mal alimentado,
era magro e doentinho
mas que dela merecia
todo desvelo e carinho.

Simão, que era operário,
trabalhava numa usina.
Gastava sua mocidade
numa soturna oficina
onde o serviço é pesado
e o dia nunca termina.
Mas o amor de Aparecida
viera abrandar-lhe a sina.

Simão ganhava tão pouco
que mal dava pra comer,
menos que o salário mínimo
que está na lei pra inglês ver...
Nem sempre tinha jantar
nem o que dar de beber
ao menino que chorava
sem poder adormecer.

Aparecida e Simão
deitados ali do lado
ouviam o choro do filho
fraquinho e desesperado
que já no berço sentia
o peso cruel e injusto
desse mundo desgraçado.

E eis que um dia Simão
participou de uma greve.
Veio a noite e Aparecida
dele notícia não teve.
Os companheiros disseram
que a policia o deteve.
Ela correu à polícia
mas ali nada obteve.

Voltou chorando pra casa
sem saber o que fazer.
Debruçada na janela
viu o dia amanhecer:
um dia claro mas triste
como se fosse chover.

Sentia-se desamparada
naquela casa vazia.
Por que duravam tão pouco
suas horas de alegria?
Se Simão não mais voltasse
o que é que ela faria?

Esperou que ele voltasse.
Os dias passaram em vão.
O menino já chorava
sem ter alimentação.
Ela já nem escutava
tamanha a sua aflição.

Quase imóvel, dia e noite,
ficou assim na janela
à espera de que Simão
voltasse outra vez pra ela
fazendo o seu coração
sentir que a vida era bela,
por pouco que fosse o pão,
triste que fosse a favela.

Quanto tempo se passara?
Quanto dia se apagou?
Até o menino calara,
até o vento parou.
Aparecida repara
que alguma coisa acabou.

Era uma coisa tão clara
que ela própria se assustou.
Por que calara o menino?
Que mão nova o afagou?
E sobre o corpinho inerte
chorando ela se atirou...

Chamava-se Aparecida
e chorava ali sozinha.
Mal chegara aos 15 anos
a idade que ela tinha.
Chorava o seu filho morto
e a sua vida mesquinha.
Uma criança chorando
sobre outra criancinha.

Foi assim que Aparecida
sem pensar e sem saber
derramou álcool na roupa
pra logo o fogo acender.
E feito uma tocha humana
foi pela rua a correr
gritando de dor e medo
para adiante morrer.

Acaba aqui a história
dessa moça sem cartaz
que ficaria esquecida
como todas as demais
histórias de gente humilde
que noticiam os jornais.
Pra concluir te pergunto:
Quem matou Aparecida?
Quem foi que armou seu braço
pra dar cabo da vida?
Foi ela que escolheu isso
ou a isso foi conduzida?
Se a vida a conduziu
quem conduziu sua vida?

Por que existem favelas?
Por que há ricos e pobres?
Por que uns moram na lama
e outros vivem como nobres?
Só te pergunto estas coisas
para ver se tu descobres.

Se não descobres te digo
para que possas saber:
o mundo assim dividido
não pode permanecer.
Foi esse mundo que mata
uma criança ao nascer,
que negou à Aparecida
o direito de viver.
Quem ateou fogo às vestes
dessa menina infeliz
foi esse mundo sinistro
que ela nem fez nem quis
- que deve ser destruído
pro povo viver feliz.

FERREIRA GULLAR