segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Envolvimento


LEMBRANÇAS



Sua voz toca meus ouvidos,
Como um sopro frio da manhã.
Arrepia meu corpo,
Mas aquece meu coração.


Leva-me em sonho,
Carrega-me em alegria.
Ilumina minha alma,
E torna perfeito o raiar do meu dia.


Minha mente voa ao lembrar teu nome.
Como um balão que colore o céu,
E faz sorrir o menino.
És como um passarinho,
Que de mansinho vem, com seu canto encantar.


Contigo viajo em êxtase.
Como pensamento que vai longe.
E te toca com um leve beijo.
Transferindo tudo aquilo que desejo.
E a distância não consegue apagar.


És como bruma sobre o mar.
Que se dissipa quanto tento tocar.
Tua lembrança me envolve como névoa densa.
E o orvalho encharca minha alma.
Teu perfume me transporta a jardim de beleza imensa.
Onde encontro a paz e toda minha vida se acalma.


És montanha intransponível,
Que testa a força do meu gostar.
Mas tua energia me torna guerreiro invencível.
E mesmo de longe consigo te abraçar,
te amar...


És desejo ardente.
Corrente elétrica a percorrer as veias do meu corpo.
Fazendo brilhar com intensa luz meu coração.
Tu és um sonho, o meu ideal.
A minha doce realidade virtual.

CARLOS MEDEIROS

Despedida


















MEU DEUS, ME DÊ CORAGEM

Meu Deus, me dê a coragem
de viver trezentos e sessenta e cinco dias e noites,
todos vazios de Tua presença.
Me dê a coragem de considerar esse vazio
como uma plenitude.
Faça com que eu seja a Tua amante humilde,
entrelaçada a Ti em êxtase.
Faça com que eu possa falar
com este vazio tremendo
e receber como resposta
o amor materno que nutre e embala.
Faça com que eu tenha a coragem de Te amar,
sem odiar as Tuas ofensas à minha alma e ao meu corpo.
Faça com que a solidão não me destrua.
Faça com que minha solidão me sirva de companhia.
Faça com que eu tenha a coragem de me enfrentar.
Faça com que eu saiba ficar com o nada
e mesmo assim me sentir
como se estivesse plena de tudo.
Receba em teus braços
meu pecado de pensar.

CLARICE LINSPECTOR

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Atendendo Uma Grande Amizade

















MEU SOL


Depois da noite escura,
Que assustou minh’alma.
Da tempestade tenebrosa,
Que inquietou meu coração.
Eis que chega a calma...
Sinto essa energia gostosa,
Que como sol no firmamento,
Ilumina toda a escuridão do meu ser.
Desperta toda a força de um sentimento.
Que eu não conhecia,
Que eu não podia conceber.
Com ela mudaria o mundo,
Faria coisas que eu não poderia crer.
Tudo isso para que sempre,
Ao meu lado possa ter você.
E esse sorriso que enfeita meu rosto?
Esse arrepio que invade meu corpo?
Esse êxtase que alegra minha vida?
Essa felicidade que cura a ferida?
Que Deus permita que isso nunca tenha fim.
E que você meu sol,
Permaneça eternamente brilhando junto a mim.

CARLOS MEDEIROS

Guerra Civil














CÃES EM GUERRA


Os cães uivam na noite.
Nos cercam com sua teia assustadora.
Aproximam-se lentamente.
E nos aprisionam de forma avassaladora.
Ladram em bando.
Anunciam que vieram em guerra.
Sua armas, estão nos mostrando.
E prometem dominar toda a terra.
Por séculos os ignoramos.
Os esquecemos em suas favelas.
Distante de nós os aprisionamos.
Enquanto banqueteávamos em vida bela.
Mas a revolta já é certa.
E caímos um a um amedrontados.
Escondidos entre grades e alarmes,
Agora por eles somos aprisionados.
E nossos filhos estão órfãos,
De espaço,
De opção,
De liberdade.
Os cães em guerra estão famintos.

Invadiram a cidade.
O caos domina todos os recintos
Pois colocaram abaixo as nossas portas.
Agora somo nós que os servimos,
As sobras desta cidade morta.
Como vassalos esperamos calados,
A destruição que se mostra iminente.
Testemunhas do holocausto de uma sociedade,
Que nós construímos e destruímos.
Pois os verdadeiros cães...
Sempre fomos nós.

CARLOS MEDEIROS

Miséria Humana

AOS QUE VÃO NASCER

É verdade, eu vivo em tempos negros.
Palavra inocente é tolice. Uma testa sem rugas
Indica insensibilidade. Aquele que ri
Apenas não recebeu ainda
A terrível notícia.


Que tempos são esses, em que
Falar de árvores é quase um crime
Pois implica silenciar sobre tantas barbaridades?
Aquele que atravessa a rua tranquilo
Não está mais ao alcance de seus amigos
Necessitados?


Sim, ainda ganho meu sustento
Mas acreditem: é puro acaso. Nada do que faço
Me dá direito a comer a fartar
Por acaso fui poupado (Se minha sorte acaba, estou perdido!)


As pessoas me dizem: Coma e beba! Alegre-se porque tem!
Mas como posso beber e comer, se
Tiro o que como ao que tem fome
E meu copo d'água falta ao que tem sede?
E no entanto eu como e bebo.


Eu bem gostaria de ser sábio
Nos velhos livros se encontra o que é sabedoria:
Manter-se afastado da luta do mundo e a vida breve
Levar sem medo
E passar sem violência
Pagar o mal com o bem
Não satisfazer os desejos, mas esquecê-los
Isto é sábio.
Nada disso sei fazer:
É verdade, eu vivo em tempos negros.


À cidade cheguei em tempo de desordem
Quando reinava a fome.
Entre os homens cheguei em tempo de tumulto
E me revoltei junto com eles.
Assim passou o tempo
Que sobre a terra me foi dado.


A comida comi entre as batalhas
Deitei-me para dormir entre os assassinos
Do amor cuidei displicente
E impaciente contemplei a natureza.
Assim passou o tempo
Que sobre a terra me foi dado.


As ruas de meu tempo conduziam ao pântano.
A linguagem denunciou-me ao carrasco.
Eu pouco podia fazer. Mas os que estavam por cima
Estariam melhor sem mim, disso tive esperança.
Assim passou o tempo
Que sobre a terra me foi dado.


As forças eram mínimas. A meta
Estava bem distante.
Era bem visível, embora para mim
Quase inatingível.
Assim passou o tempo
Que nesta terra me foi dado.


Vocês, que emergirão do dilúvio
Em que afundamos
Pensem
Quando falarem de nossas fraquezas
Também nos tempos negros
De que escaparam.
Andávamos então, trocando de países como de sandálias
Através das lutas de classes, desesperados
Quando havia só injustiça e nenhuma revolta.


Entretanto sabemos:
Também o ódio à baixeza
Deforma as feições.
Também a ira pela injustiça
Torna a voz rouca. Ah, e nós
Que queríamos preparar o chão para o amor
Não pudemos nós mesmos ser amigos.


Mas vocês, quando chegar o momento
Do homem ser parceiro do homem
Pemsem em nós
Com simpatia.

BERTOLT BRECHT
















domingo, 11 de outubro de 2009

Lágrimas
















AUSÊNCIA

Ele apenas chorava,
Sentado ali na calçada.
Suas mãos apoiavam sua cabeça,
Que pendia de forma desesperada.
Seu corpo estava curvado,
Como se ele suportasse,
Todo o peso do mundo,
Lágrimas brotavam,
Escorriam pelo seu rosto.
E se lançavam no espaço,
Até tocar o chão.
Desfaziam-se então em mil pedaços,
Que não se juntam mais.
Ele não dizia uma palavra,
Não expressava um sentimento,
Não esboçava uma reação,
Apenas chorava...
Abandonado com sua solidão.
Em seu peito o grito calava,
Pois no silêncio do seu sofrimento,
Uma lembrança se faz insistente.
Trazendo para ele novamente,
A dor de um amor ausente.


 
CARLOS MEDEIROS

último Desejo




















LEMBRANÇAS DE MORRER

Quando em meu peito rebentar-se a fibra
Que o espírito enlaça à dor vivente,
Não derramem por mim nem uma lágrima
Em pálpebra demente.

E nem desfolhem na matéria impura
A flor do vale que adormece ao vento:
Não quero que uma nota de alegria
Se cale por meu triste passamento.

Eu deixo a vida como deixa o tédio
Do deserto, o poento caminheiro
Como as horas de um longo pesadelo
Que se desfaz ao dobre de um sineiro;

Como o desterro de minh' alma errante,
Onde fogo insensato a consumia:
Só levo uma saudade
É desses tempos
Que amorosa ilusão embelecia.

Só levo uma saudade
É dessas sombras
Que eu sentia velar nas noites minhas....
De ti, ó minha mãe! pobre coitada
Que por minha tristeza te definhas!

De meu pai... de meus únicos amigos,
Poucos - bem poucos - e que não zombavam
Quando, em noites de febre endoidecido,
Minhas pálidas crenças duvidavam.

Se uma lágrima as pálpebras me inunda,
Se um suspiro nos seios treme ainda,
É pela virgem que sonhei...
que nunca
Aos lábios, me encostou a face linda!

Só tu à mocidade sonhadora
Do pálido poeta deste flores....
Se viveu, foi por ti! e de esperança
De na vida gozar de teus amores.

Beijarei a verdade santa e nua,
Verei cristalizar-se o sonho amigo...
Ó minha virgem dos errantes sonhos,
Filha do céu, eu vou amar contigo!

Descansem o meu leito solitário
Na floresta dos homens esquecidas,
À sombra de uma cruz, e escrevam nela:
Foi poeta - sonhou - e amou na vida..

Sombras do vale, noites da montanha,
Que minh' alma cantou e amava tanto,
Protegei o meu corpo abandonado,
E no silêncio derramai-lhe canto!

Mas quando preludia ave d' aurora
E quando à meia-noite o céu repousa,
Arvoredos do bosque, abri os ramos...
Deixai a lua prantear a lousa!
ÁLVARES DE AZEVEDO

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Último Gole





















DIA DE DESPEDIDA

Quero uma xícara de café
Para acordar.
Um copo de guaraná,
Para me exercitar.
Uma taça de licor,
Para digerir.
Uma tulipa de chopp,
Para me alegrar.
Uma garrafa de vinho,
Para apreciar.
Uma dose de whisky,
Para relaxar,
Outra para esquecer,
Mais uma para entorpecer.
Quero um dedo de cicuta,
Para poder adormecer
Para sempre...

CARLOS NEWTON

Ressaca





















EMBRIAGUEM-SE

É necessário estar sempre bêbado.Tudo se reduz a isso;
Eis o único problema.
Para não sentirdes o horrível fardo do Tempo,
Que vos abate e vos faz pender para a terra,
É preciso que vos embriagueis sem cessar.
Mas de quê?
De vinho, de poesia ou de virtude, a vossa escolha.
Contanto que vos embriagueis.
E, se algumas vezes,
Nos degraus de um palácio, na verde relva de um fosso,
Na desolada solidão do vosso quarto,
Despertardes, com a embriaguez já atenuada ou desaparecida,
Perguntai ao vento, à onda, à estrela, ao pássaro, ao relógio,
A tudo o que foge, a tudo o que geme, a tudo o que rola,
A tudo o que canta, a tudo o que fala,
perguntai-lhes que horas são;
E o vento, e a vaga, e a estrela, e o pássaro, e o relógio,
Hão de vos responder:
É hora de se embriagar!
Para não serdes os martirizados escravos do Tempo,
Embriagai-vos;
Embriagai-vos sem tréguas!
De vinho, de poesia ou de virtude, a vossa escolha.

CHARLES BAUDELAIRE