domingo, 26 de julho de 2009

Dura Realidade

 
Aridez da Alma

Os olhos percorrem o horizonte.
Buscando sonhos perdidos,
Que no pensamento caminha distante.
Por terras de fartura em verdes montes.

Mas o sol arde alto,
Queimando a pele e o chão.
Onde a dureza dessa vida,
Faz sangrar os calos de minha mão.

Os filhos choram pela colheita que não virá.
A mulher luta com os restos de vida
Que no pote de barro está a findar.
E a angústia domina a alma perdida.

E ao fitar a terra morta,
As lágrimas molham o rosto seco.
Recordando-me da chuva que não volta,
Para florescer esse chão, meu último leito.

Os desse mundo estão cegos.
E não enxergam esses tormentos.
No conforto do lar ou do escritório,
Escondem o coração endurecido,
Que não se comove com esses tristes lamentos.

Levanto minhas mãos aos céus.
E uma chuva de força inunda meu coração.
E o grande lavrador do céu,
Semeia a esperança e levanta quem está no chão.

Por isso lembro a todo irmão.
Se Deus nos ajuda a todo o momento,
Fazer tudo ele não pode não.
Pois a caridade só acontece plenamente,
Se todos que podem abrirem o coração e a mão.

A chuva um dia virá
E o verde explodirá no sertão.
Mas até lá,
Por favor, nunca deixe secar,
A bondade que Deus fez brotar,
No solo fértil do seu coração.

CARLOS MEDEIROS


Dura Melodia




Dois Quadros


Na seca inclemente do nosso Nordeste,
O sol é mais quente e o céu mais azul
E o povo se achando sem pão e sem veste,
Viaja à procura das terra do Sul.
De nuvem no espaço, não há um farrapo,
Se acaba a esperança da gente roceira,
Na mesma lagoa da festa do sapo,
Agita-se o vento levando apoeira.


A grama no campo não nasce, não cresce:
Outrora este campo tão verde e tão rico,
Agora é tão quente que até nos parece
Um forno queimando madeira de angico.


Na copa redonda de algum juazeiro
A aguda cigarra seu canto desata
E a linda araponga que chamamFerreiro,
Martela o seu ferro por dentro da mata.


O dia desponta mostrando-se ingrato,
Um manto de cinza por cima da serra
E o sol do Nordeste nos mostra o retrato
De um bolo de sangue nascendo da terra.


Porém, quando chove, tudo é riso e festa,
O campo e a floresta prometem fartura,
Escutam-se as notas agudas e graves
Do canto das aves louvando a natura.


Alegre esvoaça e gargalha o jacu,
Apita o nambu e geme a juriti
E a brisa farfalha por entre as verduras,
Beijando os primores do meu Cariri.


De noite notamos as graças eternas
Nas lindas lanternas de mil vagalumes.
Na copa da mata os ramos embalam
E as flores exalam suaves perfumes.


Se o dia desponta, que doce harmonia!
A gente aprecia o mais belo compasso.
Além do balido das mansas ovelhas,
Enxames de abelhas zumbindo no espaço.


E o forte caboclo da sua palhoça,
No rumo da roça, de marcha apressada
Vai cheio de vida sorrindo, contente,
Lançar a semente na terra molhada.


Das mãos deste bravo caboclo roceiro
Fiel, prazenteiro, modesto e feliz,
É que o ouro branco sai para o processo
Fazer o progresso de nosso país.

Patativa do Assaré

domingo, 19 de julho de 2009

Solidão...

DIANTE DO MAR

Era uma casa pequenina...
Pequenos e simples eram os sonhos...
Imenso era o horizonte
Marcado pelo mar,
Sereno, em um tom verde brilhante.

Brisa corrente,
Em sopros refrescantes.
Balanços de coqueiro imponente,
Ruflar de relvas verdejantes.

Areias brancas e cálidas,
Maciez num leve tocar.
Escorregam entre os dedos, devagar.
E deixam profundas pegadas,
Como marcas que sempre vão lembrar.

Uma paz que navega distante,
Um barco perdido,
Sem rumo certo no horizonte.
Como corpo inerte e rendido.
A correnteza cega de um amante.

Amante que se cala ante ao anoitecer.
Sufocando a noite escura,
Dentro da alma a sofrer.
Na mente só o murmúrio do mar.
Na janela um candeeiro aceso,
Como farol que guia quem nunca virá.

CARLOS MEDEIROS

A espera do sopro do amor

A MINHA VIDA É UM BARCO ABANDONADO.

A minha vida é um barco abandonado
Infiel, no ermo porto, ao seu destino.
Por que não ergue ferro e segue o atino
De navegar, casado com o seu fado ?
Ah! falta quem o lance ao mar, e alado
Torne seu vulto em velas; peregrino
Frescor de afastamento, no divino
Amplexo da manhã, puro e salgado.

Morto corpo da ação sem vontade
Que o viva, vulto estéril de viver,
Boiando à tona inútil da saudade.

Os limos esverdeiam tua quilha,
O vento embala-te sem te mover,
E é para além do mar a ansiada Ilha.

Fernando Pessoa

segunda-feira, 13 de julho de 2009

Me lembra você...


BELEZA
Nos teus olhos brilho como as estrelas.
Na tua boca me afogo em prazer.
No teu sorriso admiro pérolas,
Nos teus ouvidos me desmancho a gemer.
No teu pescoço respiro ofegante,
Nos teus seios volto a ser criança,
No teu ventre me torno teu amante.
No teu colo sonho com esperança,
De nunca perder tua beleza,
Pois Deus recriou em ti com certeza,
O que de mais bonito existe na natureza.

CARLOS MEDEIROS

Perfume e dúvidas

Os Lírios
Certa madrugada fria
irei de cabelos soltos
ver como crescem os lírios.
Quero saber como crescem
simples e belos - perfeitos! -
ao abandono dos campos.
Antes que o sol apareça
neblina rompe neblina
com vestes brancas, irei.

Irei no maior sigilo
para que ninguém perceba
contendo a respiração.
Sobre a terra muito fria
dobrando meus frios joelhos
farei perguntas à terra.

Depois de ouvir-lhe o segredo
deitada por entre lírios
adormecerei tranqüila.

Henriqueta Lisboa

domingo, 5 de julho de 2009

Doce ardor!


Paixão

E tudo começa com um beijo.
Que logo se enche de volúpia e tesão.
Então me arrepio,
Com o toque de tua mão,
Que percorre meu corpo.
Trazendo inesquecível sensação...
E vem essa aflição de ter você nua.
Com a boca provar a pele tua.
De me sentir um pioneiro
Desbravar teu corpo.
Percorrer tuas curvas,
Invadir tua selva,
Penetrar sua gruta.
E me embebedar em sua fonte.
Fazer teu rosto avermelhar,
Seus olhos revirar,
Sua respiração ofegar.
E num momento impar,
Ver seu corpo delirar.
Então exausto,
depois de muito te amar.
O seu corpo enlaço,
Com um forte abraço.
Desejando nunca mais te deixar.
CARLOS MEDEIROS

Um pouco de pimenta!


Lépida e leve
Lépida e leve
em teu labor que, de expressões à míngua,
o verso não descreve...
Lépida e leve,
guardas, ó língua, em teu labor,
gostos de afago e afagos de sabor.

És tão mansa e macia,
que teu nome a ti mesma acaricia,
que teu nome por ti roça, flexuosamente,
como rítmica serpente,
e se faz menos rudo,
o vocábulo, ao teu contacto de veludo.

Dominadora do desejo humano,
estatuária da palavra,
ódio, paixão, mentira, desengano,
por ti incêndio no Universo lavra!...
És o réptil que voa,
o divino pecado
que as asas musicais, às vezes, solta, à toa,
e que a Terra povoa e despovoa,
quando é de seu agrado.

Sol dos ouvidos, sabiá do tato,
ó língua-idéia, ó língua-sensação,
em que olvido insensato,
em que tolo recato,
te hão deixado o louvor, a exaltação!

—Tu que irradiar pudeste os mais formosos poemas!
—Tu que orquestrar soubeste as carícias supremas! Dás corpo ao beijo, dás antera à boca, és um tateio de alucinação,
és o elastério da alma... Ó minha louca
língua, do meu Amor penetra a boca,
passa-lhe em todo senso tua mão,
enche-o de mim, deixa-me oca...
- Tenho certeza, minha louca,
de lhe dar a morder em ti meu coração!...

Língua do meu Amor velosa e doce,
que me convences de que sou frase,
que me contornas, que me vestes quase,
como se o corpo meu de ti vindo me fosse.
Língua que me cativas, que me enleias
os surtos de ave estranha,
em linhas longas de invisíveis teias,
de que és, há tanto, habilidosa aranha...

Língua-lâmina, língua-labareda,
língua-linfa, coleando, em deslizes de seda...
Força inferia e divina
faz com que o bem e o mal resumas,
língua-cáustica, língua-cocaína,
língua de mel, língua de plumas?...

Amo-te as sugestões gloriosas e funestas,
amo-te como todas as mulheres
te amam, ó língua-lama, ó língua-resplendor,
pela carne de som que à idéia emprestas
e pelas frases mudas que proferes
nos silêncios de Amor!...

Gilka Machado