domingo, 28 de março de 2010

Prisioneiro do Amor



















PRISÃO


Estou cego para o sol que nasce.
Para o mar e sua beleza infinita.
Para a árvore que majestosa cresce.
Ou a roseira que no jardim floresce.

Estou surdo para o som tranqüilo do mar.
Para o riso do menino,
Com seus amigos a brincar.
Para o meu coração que se tornou tão pequenino.

Permaneço aqui imóvel...
Inerte no espaço,
Morto na alma.
E não sei o que faço.
Pois perdi toda a minha calma.

Você roubou minha luz.
Você calou minha alegria.
É para a escuridão que você me conduz.
Tornando a vida tão fria.

Por favor, me tire desta prisão.
Deixe meu corpo respirar.
Liberte meu coração.
Pois meu único crime foi querer te amar.

CARLOS MEDEIROS

Poeta de uma geração





















ÍNDIOS
Quem me dera
Ao menos uma vez
Ter de volta todo o ouro
Que entreguei a quem
Conseguiu me convencer
Que era prova de amizade
Se alguém levasse embora
Até o que eu não tinha

Quem me dera
Ao menos uma vez
Esquecer que acreditei
Que era por brincadeira
Que se cortava sempre
Um pano-de-chão
De linho nobre e pura seda

Quem me dera
Ao menos uma vez
Explicar o que ninguém
Consegue entender
Que o que aconteceu
Ainda está por vir
E o futuro não é mais
Como era antigamente.

Quem me dera
Ao menos uma vez
Provar que quem tem mais
Do que precisa ter
Quase sempre se convence
Que não tem o bastante
Fala demais
Por não ter nada a dizer.

Quem me dera
Ao menos uma vez
Que o mais simples fosse visto
Como o mais importante
Mas nos deram espelhos
E vimos um mundo doente.

Quem me dera
Ao menos uma vez
Entender como um só Deus
Ao mesmo tempo é três
Esse mesmo Deus
Foi morto por vocês
Sua maldade, então
Deixaram Deus tão triste.

Eu quis o perigo
E até sangrei sozinho
Entenda!
Assim pude trazer
Você de volta pra mim

Quando descobri
Que é sempre só você
Que me entende
Do início ao fim.

E é só você que tem
A cura do meu vício
De insistir nessa saudade
Que eu sinto
De tudo que eu ainda não vi.

Quem me dera
Ao menos uma vez
Acreditar por um instante
Em tudo que existe
E acreditar
Que o mundo é perfeito
Que todas as pessoas
São felizes...

Quem me dera
Ao menos uma vez
Fazer com que o mundo
Saiba que seu nome
Está em tudo e mesmo assim
Ninguém lhe diz
Ao menos, obrigado.

Quem me dera
Ao menos uma vez
Como a mais bela tribo
Dos mais belos índios
Não ser atacado
Por ser inocente.

Eu quis o perigo
E até sangrei sozinho
Entenda!
Assim pude trazer
Você de volta pra mim

Quando descobri
Que é sempre só você
Que me entende
Do início ao fim.

E é só você que tem
A cura pro meu vício
De insistir nessa saudade
Que eu sinto
De tudo que eu ainda não vi.

Nos deram espelhos
E vimos um mundo doente
Tentei chorar e não consegui.

RENATO RUSSO

domingo, 21 de março de 2010

Incertezas






ESPERA

Encontro-me aqui parado.
Respiro meio assustado
Pois em minha mente não consigo antever,
Se ela irá gostar de me ver.
Encontro-me aqui calado.
Só escuto esse pulsar uníssono,
Que do meu peito se faz sentido.
E ele acelera cada vez mais.
A hora se aproxima,
Logo ela irá passar.
Mas a incerteza me domina.
Será que ela vai me notar?
Meu corpo treme,
Minha pele sua.
Em cada poro transpira o desejo,
De novamente tocar a tua..
Mas o medo invade minha alma.
E não posso mais manter a calma.
Pois sou espírito perdido,
Buscando por ti ser compreendido.
Que tua luz me tire desse escuro,
E que me guie a um porto seguro,
Onde finalmente a paz possa encontrar.
Ao lado daquela que escolhi para amar.

CARLOS MEDEIROS

Objetos Para os Deuses.






















APONTAMENTO

A minha alma partiu-se como um vaso vazio.
Caiu pela escada excessivamente abaixo.
Caiu das mãos da criada descuidada.
Caiu, fez-se em mais pedaços do que havia loiça no vaso.

Asneira? Impossível? Sei lá!
Tenho mais sensações do que tinha quando me sentia eu.
Sou um espalhamento de cacos sobre um capacho por sacudir.

Fiz barulho na queda como um vaso que se partia.
Os deuses que há debruçam-se do parapeito da escada.
E fitam os cacos que a criada deles fez de mim.

Não se zanguem com ela.
São tolerantes com ela.
O que era eu um vazo vazio?

Olham os cacos absurdamente conscientes,
Mas conscientes de si mesmos, não conscientes deles.

Olham e sorriem.
Sorriem tolerantes à criada involuntária.

Alastra a grande escadaria atapetada de estrelas.
Um caco brilha, virado do exterior lustroso, entre os astros.
A minha obra? A minha alma principal? A minha vida?
Um caco.
E os deuses olham-o especialmente, pois não sabem por que ficou ali.

ÁLVARO DE CAMPOS
(engenheiro futurista e decadentista,
heterônimo criado por Fernando Pessoa).

 

sábado, 13 de março de 2010

Em Farrapos...



AMOR INDIGENTE




Novamente aqui estou,
Nesta humilhante situação.
Farrapos que agora sou,
Mendigando por um pouco da sua atenção.


Te peço pelo amor de Deus,
Migalhas de um passado.
Aonde meus sonhos eram iguais aos seus.
E eu podia estar ao seu lado.


Com a alma mutilada,
Em público exponho a ferida.
Que a guerra por nós vivida,
Deixou em meu coração.


Imploro por compaixão,
Piedade para este triste ser.
Desesperado lhe estendo a mão,
Para que centavos de sua alegria possa receber.


Tenho fome, estou fraco, caminho com dificuldade.
Meu corpo pesa mais do que posso suportar.
Em minha mente carrego o fardo da sua maldade.
Pois com sua paixão não vem mais me alimentar.


Choro com o rosto colado ao chão.
Orgulho? Não possuo mais.
Vergonha? Não tenho não.
Pois de te amar ainda sou capaz.


Mas agora estou morto.
Incômodo não trarei mais.
Mas uma prece, uma lágrima, preciso demais.
Porque com elas buscarei minha paz.


Na lápide que agora estou,
Faz saber a toda gente.
Que morri por falta de amor.
E só me sobrou o nome indigente.


CARLOS MEDEIROS

Despedida Eterna




















ADEUS

Adeus! E para sempre embora,
Que seja para nunca mais:
Sei teu rancor - mas contra ti
Não me rebelarei jamais.


Visses meu peito nu, onde a fronte
Tu descansavas mansamente
E te tomava um calmo sono
Que perderás completamente:


Que cada fundo pensamento
No coração pudesses ver!
Que estava mal deixá-lo assim
Por fim virias a saber.


Louve-te o mundo por teu ato,
Sorria ele ante a ação feia:
Esse louvor deve ofender-te,
Pois funda-se na dor alheia.


Desfigurassem-me defeitos:
Mão não havia menos dura
Que a de quem antes me abraçava
Que me ferisse assim sem cura?


Não te iludas contudo: o amor
Pode afundar-se devagar;
Porém não pode corações
Um golpe súbito apartar.


O teu retém a sua vida,
E o meu, também, bata sangrando;
E a eterna idéia que me aflige
É que nos vermos não tem quando.


Digo palavras de tristeza
Maior que os mortos lastimar;
Hão de as manhãs, pois viveremos,
De um leito viúvo despertar.


E ao achares consolo, quando
A nossa filha balbuciar,
Ensiná-la-ás a dizer "Pai",
Se o meu desvelo vai faltar?


Quando as mãozinhas te apertarem
E ela teu lábio -houver beijado,
Pensa em mim, que te bendirei
Teu amor ter-me-ia abençoado.


Se parecerem os seus traços
Com os de quem podes não mais ver,
Teu coração pulsará suave,
E fiel a mim há de tremer.


Talvez conheças minhas faltas,
Minha loucura ninguém sabe;
Minha esperança, aonde tu vás,
Murcha, mas vai, que ela em ti cabe.


Abalou-se o que sinto; o orgulho,
Que o mundo não pôde curvar,
Curvou-se a ti: se a abandonaste,
Minha alma vejo-a a me deixar.


Tudo acabou - é vão falar -,
Mais vão ainda o que eu disser;
Mas forçam rumo os pensamentos
Que não podemos empecer.


Adeus! assim de ti afastado,
Cada laço estreito a perder,
O coração só e murcho e seco,
Mais que isto mal posso morrer.

LORD BYRON

domingo, 7 de março de 2010

Pimenta da Relação?



















CIÚMES


Para quem é esse olhar?
Por quê não me vejo nele?
É a mim que deves procurar.
Pois sou o único que mata sua sede.

Que som é esse que não posso escutar?
Sussurros soltos levados ao vento.
Em outros ouvidos iram despertar.
Desejos secretos e falsos momentos.

Essa dúvida faz minha alma gritar.
Estórias furtivas e risos indecentes.
Que fazem a paixão em meu peito queimar.
E o escárnio a ecoar por todas as mentes.

Não entendes que sou o seu verdadeiro dono?
Pertence unicamente a mim seu sentimento.
Dos seus sorrisos devo ser o patrono.
E com nenhum outro dividirei esse tormento.

É ciúme sim...
Chame como quiser.
De loucura cruel, cegueira sem fim.
Pois somente eu, te terei como mulher.

É um amor doente o que sinto.
Como um amargo veneno que anseio beber.
E sobre esse macabro desejo eu nunca minto.
Essa vontade insana de junto a ti morrer...

Então aceite o que te foi destinado,
Mesmo que lhe pareça amaldiçoado.
Pois a noite escura já começa a cair,
E na alcova te espero, com meu corpo a sorrir.


Carlos Medeiros

Luar dos Loucos


LUNÁTICO



Vou abrir minha janela sobre a noite.
E já bem noite, a lua,
alta a um terço do seu arco,
terá de deslizar pelo meu quarto adentro,
e passear sobre o meu rosto, adormecido e lívido,
quando eu sair a sonhar pelas estradas noturnas,
sem fim, sem marcos, nem encruzilhadas,
que levam à região dos desabrigos...
Sonharei com mares muito brancos,
de águas finas, como um ar dos cimos,
onde o meu corpo sobrenada solto,
por entre nelumbos que passam boiando...
Ouvirei a rainha do País do Suave Sonho,
cantando no alto sempre o mesmo canto,
como a sereia do sempre mais alto...
E a janela se fecha, prendendo aqui dentro
o raio suave que prendia a lua...
Para que eu soçobre no mar dos nenúfares grandes,
onde remoinham as formas inacabadas,
onde vêm morrer as almas, afogadas,
e onde os deuses se olham como num espelho.


Guimarães Rosa