sábado, 27 de abril de 2013
Alma Livre
EPITÁFIO
São tantos sentimentos nascidos desta tristeza.
Mas o silêncio é a única manifestação permitida.
Para que a morte e seu odor de cravos murchos,
Não se misture ao de cera derretida,
Da última vela que queimava em meu coração.
Brindemos ao grande homem que parte.
Que dobrem os sinos dos templos da cidade,
Anunciando que minha morte foi violenta.
E que morri como sempre quis.
Agora, livre estou da eterna tormenta,
Que nauseava minha alma à deriva.
À minha algoz, meus eternos agradecimentos,
Pelos belos trabalhos prestados.
Que as moedas e o coração que eu te dei.
Te fartem por muitos momentos.
Eu não preciso mais deles.
Só das feridas.
CARLOS MEDEIROS
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Voa Eternamente
ACROBATA DA DOR
Gargalha, ri, num riso de tormenta,
como um palhaço, que desengonçado,
nervoso, ri, num riso absurdo, inflado
de uma ironia e de uma dor violenta.
Da gargalhada atroz, sanguinolenta,
agita os guizos, e convulsionado
salta, gavroche, salta clown, varado
pelo estertor dessa agonia lenta ...
Pedem-se bis e um bis não se despreza!
Vamos! retesa os músculos, retesa
nessas macabras piruetas d'aço...
E embora caias sobre o chão, fremente,
afogado em teu sangue estuoso e quente,
ri! Coração, tristíssimo palhaço.
CRUZ E SOUZA
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quarta-feira, 24 de abril de 2013
Confrontos
EM GUERRA.
Foram muitas batalhas até agora,
Você me cerca sangrando pelos olhos.
Minha morte te cairia muito bem.
Fujo desta emboscada traiçoeira,
Mas você dispara com arma certeira.
Desta vez violentamente atingido,
Eu caio diante da sua sanguinária ira.
Ferido pelo fogo de suas mentiras.
Ajoelhado nesta terra morta.
Minhas lágrimas escorrem pelo meu rosto.
Misturan-se ao sangue que brota do meu peito.
Quanta dor pelos horizontes cinzas,
Desta ignóbil tragédia.
Mas tú não conheces meus sonhos.
Não sabes por quem eu luto.
Não entendes de onde vem a minha força.
E que cada cicatriz em meu corpo,
É uma brilhante medalha,
Que me eleva acima do sofrimento.
E por isso sempre me levanto.
Soergo-me diante de ti,
Para te saudar com um leve sorriso.
Pois essa guerra senhor general,
Não aponta quem realmente é o vencido.
CARLOS MEDEIROS
Nunca Mais
O CORVO
Em certo dia, à hora
Da meia-noite que apavora,
Eu, caindo de sono e exausto de fadiga,
Ao pé de muita lauda antiga,
De uma velha doutrina agora morta,
Ia pensando, quando ouvi à porta
Do meu quarto um soar devagarinho,
E disse estas palavras tais:
"É alguém que me bate à porta de mansinho;
Há de ser isso e nada mais".
Ah! bem me lembro! bem me lembro!
Era no glacial dezembro;
Cada brasa do lar sobre o colchão refletia
A sua última agonia.
Eu ansioso pelo Sol, buscava
Sacar daqueles livros que estudava
Repouso (em vão!) à dor esmagadora
Destas saudades imortais
Pela que ora nos céus anjos chamam Lenora,
E que ninguém chamará mais.
E o rumor triste, vago, brando
Das cortinas ia acordando
Dentro em meu coração um rumor não sabido,
Nunca por ele padecido.
Enfim, por aplacá-lo aqui, no peito,
Levantei-me de pronto, e "Com efeito,
(Disse), é visita amiga e retardada
"Que bate a estas horas tais.
"É visita que pede à minha porta entrada:
"Há de ser isso e nada mais".
Minh'alma então sentiu-se forte;
Não mais vacilo, e desta sorte
Falo: "Imploro de vós - ou senhor ou senhora,
Me desculpeis tanta demora.
"Mas como eu, precisando de descanso
"Já cochilava, e tão de manso e manso,
"Batestes, não fui logo, prestemente,
"Certificar-me que aí estais".
Disse; a porta escancar, acho a noite somente,
somente a noite, e nada mais.
Com longo olhar escruto a sombra
Que me amedronta, que me assombra.
E sonho o que nenhum mortal há já sonhado,
Mas o silêncio amplo e calado,
Calado fica; a quietação quieta;
Só tu, palavra única e dileta,
Lenora, tu, com um suspiro escasso,
Da minha triste boca sais;
E o eco, que te ouviu, murmurou-te no espaço;
Foi isso apenas, nada mais.
Entro co'a alma incendiada.
Logo depois outra pancada
Soa um pouco mais forte; eu, voltando-me a ela:
"Seguramente, há na janela
Älguma coisa que sussurra. Abramos,
"Eia, fora o temor, eia, vejamos
"A explicação do caso misterioso
Dessas duas pancadas tais,
"Devolvamos a paz ao coração medroso,
"Obra do vento, e nada mais".
Abro a janela, e de repente,
Vejo tumultuosamente
Um nobre corvo entrar, digno de antigos dias.
Não despendeu em cortesias
Um minuto, um instante. Tinha o aspecto
de um lord ou de uma lady. E pronto e reto,
Movendo no ar as suas negras alas,
Acima voa dos portais,
Trepa, no alto da porta em um busto de Palas:
Trepado fica, e nada mais.
Diante da ave feia e escura,
Naquela rígida postura,
Com o gosto severo, - o triste pensamento
Sorriu-me ali por um momento,
E eu disse: "Ó tu que das noturnas plagas
"Vens, embora a cabeça nua tragas,
"Sem topete, não és ave medrosa,
"Dize os teus nomes senhoriais;
"Como te chamas tu na grande noite umbrosa?"
E o corvo disse: "Nunca mais".
Vendo que o pássaro entendia
A pergunta que eu lhe fazia,
Fico atônito, embora a resposta que dera
Dificilmente lha entendera.
Na verdade, jamais homem há visto
Coisa na terra semelhante a isto:
Uma ave negra, friamente posta
Num busto, acima dos portais,
Ouvir uma pergunta a dizer em resposta
Que este é seu nome: "Nunca mais".
No entanto, o corvo solitário
Não teve outro vocabulário.
Como se essa palavra escassa que ali disse
Toda sua alma resumisse,
Nenhuma outra proferiu, nenhuma.
Não chegou a mecher uma só pluma,
Até que eu murmurei: "Perdi outrora
"Tantos amigos tão leais!
"Perderei também este em regressando a aurora".
E o corvo disse: "Nunca mais!"
Estremeço. A resposta ouvida
É tão exata! é tão cabida!
"Certamente, digo eu, essa é toda a ciência
"Que ele trouxe da convivência
"De algum mestre infeliz e acabrunhado
"Que o implacável destino há castigado
"Tão tenaz, tão sem pausa, nem fadiga,
"Que dos seus cantos usuais
"Só lhe ficou, na amarga e última cantiga,
"Esse estribilho: "Nunca mais".
Segunda vez nesse momento
Sorriu-me o triste pensamento;
Vou sentar-me defronte ao corvo magro e rudo;
E, mergulhando no veludo
Da poltrona que eu mesmo ali trouxera,
Achar procuro a lúgubre quimera,
A alma, o sentido, o pávido segredo
Daquelas sílabas fatais,
Entender o que quis dizer a ave do medo
Grasnando a frase: "Nunca mais".
Assim pôsto, devaneando,
Meditando, conjeturando,
Não lhe falava mais; mas, se lhe não falava,
Sentia o olhar que me abrasava.
Conjeturando fui, tranqüilo, a gosto,
Com a cabeça no macio encosto
Onde os raios da Lâmpada caíam,
Onde as tranças angelicais
De outra cabeça outrora ali se desparziam
E agora não se esparzem mais.
Supus então que o ar, mais denso,
Todo se enchia de um incenso,
Obra de serafins que, pelo chão roçando
Do quarto, estavam meneando
Um ligeiro turíbulo invisível:
E eu exclamei então: "Um Deus sensível
"Manda repouso à dor que te devora
"Destas saudades imortais.
"Eia, esquece, eia, olvida essa extinta Lenora".
E o corvo disse: "Nunca mais".
"Profeta, ou o que quer que sejas!
"Ave ou demônio que negrejas!
"Profeta sempre, escuta: Ou venhas tu do inferno
"Onde reside o mal eterno,
"Ou simplesmente náufrago escapado
"Venhas do temporal que te há lançado
"Nesta casa onde o Horror, o Horror profundo
"Tem os seus lares triunfais,
"Dize-me: existe acaso um bálsamo no mundo?"
E o corvo disse: "Nunca mais".
"Profeta, ou o que quer que sejas!
"Ave ou demônio que negrejas!
"Profeta sempre, escuta, atende, escuta, atende!
"Por esse céu que além se estende,
"Pelo Deus que ambos adoramos, fala,
"Dize a esta alma se é dado inda escutá-la
"No Éden celeste a virgem que ela chora
"Nestes retiros sepulcrais,
"Essa que ora nos céus anjos chamam Lenora!"
E o corvo disse: "Nunca mais!"
"Ave ou demônio que negrejas!
"Profeta, ou o que quer que sejas!
"Cessa, ai, cessa! (clamei, levantando-me) cessa!
"Regressando ao temporal, regressa
"À tua noite, deixa-me comigo...
"Vai-te, não fique no meu casto abrigo
"Pluma que lembre essa mentira tua.
"Tira-me ao peito essas fatais
"Garras que abrindo vão a minha dor já crua"
E o corvo disse: "Nunca mais".
E o corvo aí fica; ei-lo trepado
No branco mármore lavrado
Da antiga Palas; ei-lo imutável, ferrenho.
Parece, ao ver-lhe o duro cenho,
Um demônio sonhando. A luz caída
Do lampião sobre a ave aborrecida
No chão espraia a triste sombra; e fora
Daquelas linhas funerais
Que flutuam no chão, a minha alma que chora
Não sai mais, nunca, nunca mais!
EDGAR ALLAN POE
domingo, 21 de abril de 2013
Outra Ilusão
ALÉM DO PARAÍSO
Eu te coloquei acima de todos,
Bem lá no alto,
Onde vivem os anjos.
Te fiz asas com alvas plumas,
E sonhei voar contigo eternamente.
Viajando entre suaves brumas,
Embalados por esse eterno amor.
Sentia que ao teu lado,
Estaria a salvo daquela escuridão.
Sentimento feito de cera,
Desfez-se rapidamente em dor.
Não suportou o brilho forte dessa ilusão,
Que cresceu em sonhos inalcançáveis,
Criados por esse mortal coração.
Aprendí que os anjos habitam além do céu.
E que se eu quiser voar,
Só me é permitido entre os abutres.
Pois são eles que se alimentam dos mortos.
E nada mais restará de mim.
CARLOS MEDEIROS
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Doce Flor
O POETA PEDE A SEU AMOR QUE LHE ESCREVA
Amor de minhas entranhas, morte viva,
em vão espero tua palavra escrita
e penso, com a flor que se murcha,
que se vivo sem mim quero perder-te.
O ar é imortal. A pedra inerte
nem conhece a sombra nem a evita.
Coração interior não necessita
o mel gelado que a lua verte.
Porém eu te sofri. Rasguei-me as veias,
tigre e pomba, sobre tua cintura
em duelo de mordiscos e açucenas.
Enche, pois, de palavras minha loucura
ou deixa-me viver em minha serena
noite da alma para sempre escura.
FREDERICO GARCIA LORCA
terça-feira, 9 de abril de 2013
Minha Deusa
NO OLIMPO
Você sorriu e me encantou.
Por um breve momento feliz,
Minha alma voou.
E fui bem alto.
Levado por asas que rapidamente construí,
Com os desejos encontrados pelo caminho.
Mas teu lugar é muito distante.
Meus olhos não te alcançam,
Meu coração não te toca,
Meu corpo não te sente.
Vives no Olimpo,
Morada dos deuses.
Onde os corpos são esculpidos em carrara
E fisicamente, só os eleitos os possuem.
Estás acostumada a perfeição que te cerca.
Teus olhos nunca notariam,
A mediocridade de tão impura pessoa.
Eu estou acostumado a arrastar-me pela terra,
Carregando as mazelas de um ser imperfeito.
Sou mortal.
E mereço morrer muitas vezes,
Pela arrogância de querer te alcançar,
De pensar em viver ao teu lado,
De um dia poder te amar.
Desse vôo me prescipito.
Abatido pela ilusão,
Que me atingiu com a força de um raio,
E mortalmente me lança ao chão.
Tu és imortal.
Deusa de rara beleza,
Frescor da brisa matinal,
Que espalha o perfume de delicada flor.
A noite me traz uma única certeza.
Que diante deste inalcançável amor,
Só me resta dormir e sonhar,
Que um dia saberei bem alto voar.
CARLOS MEDEIROS
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Adormecido
NA VÉSPERA
Na véspera de não partir nunca
Ao menos não há que arrumar malas
Nem que fazer planos em papel,
Com acompanhamento involuntário de esquecimentos,
Para o partir ainda livre do dia seguinte.
Não há que fazer nada
Na véspera de não partir nunca.
Grande sossego de já não haver sequer de que ter sossego!
Grande tranquilidade a que nem sabe escolher ombros
Por tudo isto, ter pensado o tudo
É o ter chegado deliberado a nada.
Grande alegria de não ter precisão de ser alegre.
Como uma oportunidade virada do avesso.
Há quantas vezes vivo
A vida vegetativa do pensamento!
Todos os dias sine linea
Sossego, sim, sossego...
Grande tranquilidade...
Que repouso, depois de tantas viagens, físicas e psíquicas!
Que prazer olhar para as malas fitando como para nada!
Dormita, alma, dormita!
Aproveita, dormita!
Dormita!
É pouco o tempo que tens! Dormita!
É a véspera de não partir nunca!
ÁLVARO DE CAMPOS
(heterônimo de Fernando Pessoa)
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Feliz Aniversário
DIAS ESPECIAIS
Alguns dias são especiais,
Alguns momentos são especiais.
Mas o que os tornam especiais?
Talvez um sorriso,
Quem sabe uma palavra,
com certeza um beijo.
Essas lembranças nos levam a presença de uma pessoa,
Que torna esses dias, momentos, sorrisos, palavras, o beijo,
Ah, o beijo...
A coisa mais especial de todas.
Que bom que você nasceu!
quero comemorar esse dia.
Pois, depois que me conheceu,
Tornou especial toda a minha vida.
CARLOS MEDEIROS
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Perdido
PARA ONDE VAI A MINHA VIDA, E QUEM A LEVA?
Por que faço eu sempre o que não queria?
Que destino contínuo se passa em mim na treva?
Que parte de mim, que eu desconheço, é que me guia?
O meu destino tem um sentido e tem um jeito,
A minha vida segue uma rota e uma escala
Mas o consciente de mim é o esboço imperfeito
Daquilo que faço e sou: não me iguala
Não me compreendo nem no que, compreendendo, faço.
Não atinjo o fim ao que faço pensando num fim.
É diferente do que é o prazer ou a dor que abraço.
Passo, mas comigo não passa um eu que há em mim.
Quem sou, senhor, na tua treva e no teu fumo?
Além da minha alma, que outra alma há na minha?
Por que me destes o sentimento de um rumo,
Se o rumo que busco não busco, se em mim nada caminha
Senão com um uso não meu dos meus passos, senão
Com um destino escondido de mim nos meus atos?
Para que sou consciente se a consciência é uma ilusão?
Que sou entre quê e os fatos?
Fechai-me os olhos, toldai-me a vista da alma!
Ó ilusões! Se eu nada sei de mim e da vida,
Ao menos eu goze esse nada, sem fé, mas com calma,
Ao menos durma viver, como uma praia esquecida...
FERNANDO PESSOA
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